A história sombria da princesa Diana como você nunca viu: o filme no Prime Video é um mergulho profundo em sua mente Pablo Larraín / DCM

A história sombria da princesa Diana como você nunca viu: o filme no Prime Video é um mergulho profundo em sua mente

Durante três dias de dezembro de 1991, a rotina rígida e teatral da família real britânica se impõe sobre uma mulher à beira do colapso. O ambiente opulento do Palácio de Sandringham, ao invés de transmitir prestígio e segurança, funciona como uma espécie de cela dourada para Diana, princesa de Gales, interpretada por Kristen Stewart. Em “Spencer”, dirigido por Pablo Larraín e roteirizado por Steven Knight, não acompanhamos uma simples recriação histórica, mas sim um delírio cinematográfico que traduz em imagens a angústia de uma figura pública cercada por regras e olhares impiedosos.

Logo na chegada, a tensão se manifesta. Diana, dirigindo sozinha em seu carro esportivo, perde-se em memórias de sua infância na região, permitindo-se um breve instante de nostalgia antes de enfrentar o protocolo intransigente do castelo. Mas seu atraso não é apenas um deslize, é um ato de desafio – um dos poucos que ainda pode cometer dentro desse universo onde até o peso dos convidados é controlado como um ritual de submissão, uma tradição herdada de Eduardo VII. O oficial da casa real, Alistair Gregory, encarna esse cerco invisível, com sua cortesia afiada como uma lâmina.

O tempo não se desenrola de maneira convencional. A narrativa de Larraín se contorce entre alucinações e paranoias, transformando as festividades de Natal em um labirinto psicológico. Diana sente os corredores do palácio como uma armadilha, onde cada movimento é monitorado e cada palavra sussurrada pode ser usada contra ela. A sensação de estar sempre sob observação não é apenas uma metáfora — os criados dizem abertamente que a família real ouve tudo, sabe tudo. O que é exagero da mente perturbada da princesa e o que é um reflexo real da vigilância implacável que a cerca?

Os elementos visuais reforçam essa desconexão entre realidade e pesadelo. As cores sombrias e enevoadas, a trilha sonora inquietante, os enquadramentos sufocantes — tudo contribui para criar um ambiente que se assemelha mais a um filme de horror psicológico do que a uma cinebiografia tradicional. Em muitos momentos, “Spencer” se assemelha a uma ópera silenciosa, onde gestos e olhares carregam mais peso do que palavras, e cada cena parece uma pintura carregada de simbolismo.

Stewart, no centro desse turbilhão, não apenas interpreta, mas incorpora a convulsão emocional de Diana. Há improviso, há instinto, há uma entrega bruta que dá ao filme uma pulsação autêntica. Um dos momentos mais reveladores ocorre quando, no meio da madrugada, ela invade o quarto dos filhos, William e Harry, e os envolve em uma brincadeira espontânea de soldado e capitão. Na penumbra da vela, as barreiras entre passado e presente se dissolvem — o tempo, para Diana, é um ciclo fechado, sem futuro à vista.

Essa ausência de horizonte se torna ainda mais evidente em uma cena de simbolismo cortante: ao observar um faisão, um dos animais criados para a caça no palácio, Diana murmura que ele deveria fugir antes que seja tarde demais. O aviso parece direcionado a si mesma. Assim como Ana Bolena, a rainha condenada à morte para que seu marido pudesse se casar com outra, Diana se enxerga como um fantasma prestes a ser apagado.

Isolada, assombrada por sua própria existência, ela se refugia nos raros momentos de afeto. O vínculo com seus filhos é seu único escudo contra a espiral de sofrimento. Maggie e Darren, os dois funcionários em quem confia, surgem como pequenas brechas de humanidade dentro desse teatro de regras e repressões. Knight revela que ambos foram inspirados em figuras reais que preferiram permanecer anônimas, reforçando a noção de que, mesmo no epicentro da monarquia, há aqueles que compreendem o peso dessa coroa.

“Spencer” não pretende ser um retrato fiel dos fatos, mas sim uma jornada subjetiva pela mente de uma mulher que, mesmo sufocada por protocolos, ainda tentava manter alguma autonomia. É uma experiência sensorial e emocional que desmancha a imagem pública de Diana para revelar algo mais visceral: uma existência solitária, reduzida a aparências, lutando para escapar de um destino já escrito.

Filme: Spencer
Diretor: Pablo Larraín
Ano: 2021
Gênero: Biografia/Drama
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★