Meryl Streep e Gary Oldman em tesouro de Steven Soderbergh, na Netflix Claudette Barius / Netflix

Meryl Streep e Gary Oldman em tesouro de Steven Soderbergh, na Netflix

A corrupção financeira deveria, por si só, provocar repulsa, mas “A Lavanderia” transforma essa realidade em um espetáculo mordaz e surpreendentemente envolvente. Em vez de seguir uma narrativa convencional, o filme se apropria de uma estrutura fragmentada e irônica para expor os bastidores do escândalo dos Panama Papers. O roteiro se desdobra como um quebra-cabeça, no qual cada peça revela conexões inesperadas, obrigando o espectador a acompanhar a teia de interesses ocultos que mantém o sistema financeiro global conivente com fraudes massivas. Ao evitar um tom excessivamente didático, a produção convida o público a decifrar a engrenagem desse esquema, tornando o aprendizado uma experiência ativa.

O longa se destaca por equilibrar irreverência e gravidade, expondo as práticas ilícitas que sustentam a desigualdade sem recorrer ao moralismo enfadonho. O humor afiado não suaviza a seriedade do tema, mas ressalta a hipocrisia de um sistema que pune pequenos delitos enquanto protege fraudes bilionárias. Ao longo da narrativa, os personagens transitam entre o caricato e o realista, ilustrando a absurda permissividade que rege o universo dos paraísos fiscais.

O elenco estrelado por Meryl Streep, Gary Oldman e Antonio Banderas confere ainda mais vigor à abordagem. Com interpretações afiadas, os atores se movem com destreza entre o deboche e a seriedade, evidenciando a dissonância entre o mundo corporativo e a realidade da população comum. A dinâmica entre os personagens é uma engrenagem essencial para manter o ritmo da narrativa, tornando a complexidade do assunto acessível sem diluir seu impacto. Mesmo quem não domina os detalhes técnicos das fraudes fiscais compreende a mensagem central: a impunidade dos mais ricos não é um acidente, mas uma peça fundamental do jogo econômico.

Embora o filme não se aprofunde em todas as nuances da corrupção financeira global, sua abordagem eficaz ilumina aspectos cruciais desse sistema de falhas estruturais. A ausência de um debate mais detalhado sobre o papel dos bancos centrais ou a ascensão das criptomoedas como novo meio de evasão fiscal pode ser notada, mas não compromete a força da narrativa. Afinal, “A Lavanderia” não se propõe a ser uma análise intelectual, mas um alerta irônico sobre como a legalidade pode ser moldada para beneficiar poucos às custas de muitos.

A estrutura do filme desafia convenções ao fugir da clássica jornada do herói e dos clichês do gênero investigativo. Sua montagem acelerada, que remete ao dinamismo de campanhas publicitárias sofisticadas, imprime um ritmo envolvente a um tema potencialmente árido. Essa escolha estilística pode ter alienado parte do público acostumado a estruturas narrativas mais tradicionais, mas é justamente essa ousadia que confere singularidade ao longa. A fluidez visual e a quebra da quarta parede fazem da experiência algo próximo de um tour guiado pelos mecanismos subterrâneos das finanças globais.

Mais do que um entretenimento provocativo, “A Lavanderia” é como um espelho incômodo da realidade. O filme não apenas denuncia um esquema específico, mas sugere que essas práticas fazem parte da engrenagem do capitalismo moderno. Seu tom mordaz escancara uma dura verdade: enquanto aqueles que deveriam legislar contra esses abusos são também seus beneficiários, qualquer esperança de mudança parece uma ilusão distante. Resta ao espectador decidir se a indignação gerada será passageira ou se servirá como fagulha para um olhar mais crítico sobre o mundo ao seu redor.

Filme: A Lavanderia
Diretor: Steven Soderbergh
Ano: 2019
Gênero: Comédia/Crime/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★