Em um cenário onde o consumo de entretenimento se tornou uma forma de anestesia social, “O Mundo Depois de Nós” é um thriller psicológico que transcende a simples narrativa apocalíptica. Dirigido por Sam Esmail e baseado no romance de Rumaan Alam, o filme transforma o colapso iminente em um espelho perturbador das fragilidades contemporâneas. O enredo, estruturado sobre um misto de paranoia e isolamento, sugere que o verdadeiro perigo pode não ser o evento cataclísmico em si, mas nossa própria incapacidade de lidar com a realidade.
O ponto de partida é quase banal: uma família de classe média-alta aluga uma casa luxuosa para um fim de semana em Long Island. O que deveria ser um retiro tranquilo logo se torna um cenário de tensão crescente quando um casal desconhecido bate à porta alegando ser o verdadeiro dono da propriedade. Paralelamente, o mundo exterior dá sinais de um colapso invisível, traduzido em falhas tecnológicas, eventos inexplicáveis e um silêncio informativo angustiante. Com Julia Roberts no papel da matriarca cética, Ethan Hawke como o marido que oscila entre a razão e a negação, Mahershala Ali incorporando o enigmático hospedeiro e Kevin Bacon trazendo um elemento de imprevisibilidade no terço final, o filme se ancora no talento de seu elenco para amplificar o desconforto latente.
A força do roteiro reside na maneira como traduz a alienação digital em um sintoma de impotência coletiva. A personagem Rose, filha do casal, representa essa desconexão ao se refugiar em uma maratona incessante de “Friends”, enquanto a realidade desmorona ao seu redor. A insistência na série não é mero detalhe: reflete um comportamento recorrente de uma geração que se agarra à nostalgia e à previsibilidade das narrativas confortáveis como um escudo contra o caos externo. Seu irmão, por sua vez, simboliza o oposto, mergulhando em uma ansiedade paralisante diante da incerteza. O filme sugere que ambos os extremos são falhos, expondo uma sociedade que, ao mesmo tempo em que teme o colapso, recusa-se a enfrentá-lo com clareza.
Essa dualidade ressoa em um contexto mais amplo: vivemos entre a passividade do entretenimento e a histeria ininterrupta das notícias, incapazes de discernir o que exige reação e o que é apenas ruído. O longa captura esse dilema sem recorrer a soluções fáceis, optando por um desconforto crescente que ecoa muito além da tela. A trilha sonora, ainda que por vezes previsível, e a fotografia, marcada por enquadramentos claustrofóbicos, reforçam essa atmosfera de apreensão constante.
Entretanto, nem todas as camadas narrativas se desenvolvem plenamente. A presença dos animais, especialmente os cervos que surgem em padrões incomuns, sugere um simbolismo que nunca se concretiza de forma satisfatória. Representam um prenúncio? Um reflexo da perturbação do ecossistema? Ou apenas um elemento inserido para amplificar o mistério? O filme deixa essa questão em aberto, mas sem fornecer indícios que justifiquem sua relevância na trama.
Ainda assim, “O Mundo Depois de Nós” traduz um desconforto difuso, mas palpável. A iminência da catástrofe é menos importante do que a maneira como os personagens a processam: uns ignoram, outros entram em colapso, e alguns tentam se agarrar a um senso de normalidade que já não existe. O filme provoca um questionamento incômodo: até que ponto já nos acostumamos a viver em um estado de ruína silenciosa, distraídos por telas e por narrativas que nos confortam sem nos desafiar? O apocalipse, sugere Esmail, pode não ser um evento futuro, mas um estado de existência que já abraçamos sem perceber.
★★★★★★★★★★