Filmes de terror têm muito mais graça quando apreciados em sessões malditas de um cinema decadente de um bairro afastado à meia-noite. James Watkins parece querer instigar seus espectadores a ir até à sala de exibição mais próxima e soltar os bichos diante de uma história na qual nada é como se apresenta, exatamente como se dá em “Não Fale o Mal”, cujo DNA remete ao clássico “A Mão que Balança o Berço” (1992), de Curtis Hanson (1945-2016), e alguns outros thrillers de consumo instantâneo dos anos 1990. A adaptação de Watkins para “Speak No Evil” (2022), dirigido pelo dinamarquês Christian Tafdrup, realça as sugestões do original sem grandes transformações, malgrado nem todo mundo seja capaz de reconhecer e prefira o primeiro longa só por preferir, a começar pelo próprio Tafdrup. O caso é que, dois anos mais tarde, “Não Fale o Mal” está muito mais explícito, sim, e muito mais assustador. Logo, os chatos controlem-se.
Ben e Louise Dalton, um casal de americanos, viajam com Agnes, a filha de onze anos, para a Toscana. Tudo corre como ouro sobre azul, a família aproveita as belezas naturais e a sofisticação da arte do centro da Itália, e até fazem novas amizades. Aos poucos, chegam-se a eles Paddy, um inglês bonachão e espirituoso, sua esposa, Ciara, e Ant, o filho mudo dos dois. O diretor-roteirista trabalha a deficiência de Ant como um atalho e um desvio para a sub-reptícia estranheza de Paddy, Ciara e Ant, que os Dalton até notam, mas que não traduz um incômodo de cara. Ben e Louise ainda estão meio deslocados depois de trocar os Estados Unidos por Londres por motivos profissionais e de foro íntimo, e consideram uma honra o convite para conhecer a fazenda da outra família, no gélido norte da Inglaterra. O frio intenso e a distância são apenas o início de um pesadelo.
Aos poucos, Watkins destapa um caldeirão de ressentimento que ferve e derrama-se num ódio quase gratuito e bestial, tudo forrado pelo véu diáfano da loucura, que os anfitriões escondiam com primor. Atividades lúdicas e aprazíveis como nadar no lago ou uma caminhada na floresta vêm embaladas na seda colorida das terceiras intenções, e assim mesmo os Dalton custam a acusar o golpe. Qualquer um do lado de cá da tela já teria se zangado com as inconveniências de Paddy, numa insistência patológica para que a vegetariana Louise experimente o ganso assado, ou de Ciara, que simula sexo oral no bicho à mesa. Em papéis ingratos, James McAvoy e Aisling Franciosi rivalizam com Scoot McNairy e Mackenzie Davis pela atenção do público, mormente a dada altura do terceiro ato. Se os Dalton não aprendem com os seus erros, aprendamos nós com os deles.
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