O suspense de ação da Netflix deveria vir com um aviso: você vai esquecer de respirar Divulgação / Film1

O suspense de ação da Netflix deveria vir com um aviso: você vai esquecer de respirar

O que nos parece inalcançável exerce um fascínio paradoxal: justamente por sabermos que a concretização desse desejo é improvável, ele se agiganta em nossa imaginação e se impõe como uma obsessão. No extremo oposto, aquilo que repousa ao alcance das mãos nos parece banal, incapaz de provocar o mesmo ardor. Subjugados por esse jogo mental, nos esquivamos das metas plausíveis e alimentamos uma devoção irracional pelo improvável, como se o real fosse indigno de nossa ambição. A mente humana, ao confundir a ilusão com a potência do querer, converte-se em uma prisão de aspirações desconexas, um campo minado de anseios contraditórios. Quando confrontados com o real, hesitamos; quando desafiados pelo impossível, avançamos. E nesse paradoxo, os medos crescem como ervas daninhas, enraizando-se em um solo fértil para delírios que nos guiam, mas também nos sabotam.

O destino de Juan Oliver não se desenha com clareza até que ele se veja dentro da cela 211, onde sua existência assume contornos de urgência, uma prova de resistência ditada pelas engrenagens caóticas da prisão. Adaptado do romance de Francisco Pérez Gandul, o filme dirigido por Daniel Monzón explora o labirinto moral de um homem comum, alçado à condição de sobrevivente num território onde os códigos são outros. Seu objetivo, modesto e pragmático, era prover o sustento da família, mas um incidente fortuito o arremessa para uma realidade bruta, forçando-o a improvisar para não ser tragado. O que era apenas um primeiro dia de trabalho se torna um jogo em que a identidade precisa ser moldada com urgência para se ajustar ao ambiente hostil. E, como num ritual de passagem perverso, Juan precisa perder algo de si para preservar o que ainda lhe resta.

A batalha pelo sustento é frequentemente uma experiência desprovida de encantamento. Entre a exaustão das manhãs e a alienação das rotinas, equilibramos nossa apresentação ao mundo: suficientemente neutros para não sermos ignorados, mas sem extravagância que nos torne alvos. Juan e sua esposa, Elena, que enfrenta os desafios da gravidez enquanto a economia da casa se sustenta com dificuldades, representam essa inquietação cotidiana. O novo emprego como agente penitenciário simboliza uma chance de estabilidade, e sua ansiedade em corresponder à expectativa o leva a visitar a unidade antes do início oficial do expediente. O que deveria ser uma introdução controlada se converte em um abismo: um acidente banal, uma rebelião inesperada e, de súbito, a ordem da vida se dissolve. Desmaiado no instante errado, desperto na conjuntura errada, Juan se vê encurralado por um contexto que não o reconhece, onde sua única alternativa é assumir um papel que não escolheu.

Monzón e Jorge Guerricaechevarría, responsáveis pelo roteiro, estruturam essa transição de maneira inquietante, explorando a vertigem psicológica de um protagonista que tenta compreender se o que vê é realidade ou um artifício do medo. Alberto Ammann, em sua interpretação, traduz essa hesitação com precisão, oscilando entre o pavor inicial e a lucidez adquirida à força. A progressão da narrativa reduz qualquer espaço para contemplação: o Juan vulnerável das primeiras cenas, ao lado de Marta Etura em momentos de ternura doméstica, cede lugar a um homem que aprende a negociar sua sobrevivência em um campo minado por lealdades frágeis.

É nesse tabuleiro que surge Malamadre, um preso cuja presença, ao invés de um obstáculo, se torna uma tênue linha de segurança. Luis Tosar injeta na história uma energia que subverte a previsibilidade, reforçando o peso da tensão em cada cena. Juan, outrora um homem de regras, agora é refém de circunstâncias que exigem instinto. E, se a narrativa em certos momentos se rende a elementos convencionais do gênero, sua força reside na maneira como insere o espectador na mesma zona de incerteza de seu protagonista. Porque, no fim, o maior dilema não é a sobrevivência, mas o que se perde no processo de conquistá-la.

Filme: Cela 211
Diretor: Daniel Monzón
Ano: 2009
Gênero: Ação/Suspense
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★