Joaquin Phoenix entrega alma e coração em atuação em drama inspirador no Prime Video Divulgação / Amazon Studios

Joaquin Phoenix entrega alma e coração em atuação em drama inspirador no Prime Video

Poucas produções conseguem abordar a complexidade de uma trajetória pessoal sem cair nas armadilhas do sentimentalismo previsível. “Não se Preocupe, Ele não Irá Tão Longe a Pé”, no entanto, escapa dessa armadilha ao construir uma narrativa que equilibra emoção, humor ácido e uma estrutura desafiadora. Sob a direção de Gus Van Sant, o filme transcende o formato tradicional de biografias inspiradoras ao reconstituir a jornada de John Callahan, cartunista tetraplégico que redescobriu sua identidade por meio da arte e da sobriedade.

O coração do filme pulsa na atuação de Joaquin Phoenix, que entrega uma interpretação de extrema autenticidade. Phoenix não apenas interpreta Callahan, mas o incorpora por completo, conferindo-lhe nuances que vão além do óbvio. Seu John Callahan é irreverente e sarcástico, mas também marcado por dores que não se dissipam com frases de efeito. Ao lado dele, Jonah Hill surpreende ao construir um personagem de sutileza inesperada, carregado de uma serenidade que contrasta com a inquietação do protagonista. Jack Black, em uma participação breve, entrega um dos momentos mais intensos da narrativa, enquanto Rooney Mara adiciona uma delicadeza que, embora discreta, amplia a carga emocional do enredo.

A decisão de Van Sant por uma estrutura não linear não é um mero artifício estético, mas um reflexo direto da mente fragmentada do protagonista. O filme oscila entre passado e presente sem oferecer transições confortáveis, exigindo do espectador uma imersão que espelha o próprio processo de recuperação de Callahan. Essa abordagem evita a excessiva linearidade de muitas cinebiografias e impede que o enredo se torne um mero desfile de acontecimentos marcantes. Se em um primeiro momento a montagem pode parecer dispersa, logo se revela um dos grandes acertos da obra, pois obriga o público a compartilhar da desorientação e da reconstrução interna do protagonista.

Outro aspecto que se destaca é a forma como o filme retrata os encontros dos Alcoólicos Anônimos. Longe de funcionar como um recurso meramente expositivo, as reuniões são retratadas com uma complexidade rara no cinema. Em vez de frases motivacionais prontas, o roteiro opta por um retrato cru e honesto da luta contra o vício, enfatizando tanto os desafios quanto os pequenos triunfos que surgem nesse processo. As interações entre os personagens não servem apenas para ilustrar a jornada de Callahan, mas constroem um mosaico de experiências individuais que se entrelaçam sem artificialidade.

Van Sant adota uma estética contida, mas com escolhas pontuais que dão textura à narrativa. O uso de closes abruptos pode soar desestabilizador, mas reforça a sensação de inquietação do protagonista. Em contrapartida, alguns efeitos visuais específicos, como a inserção de uma figura materna de forma um tanto forçada, acabam comprometendo a imersão momentaneamente. No entanto, a cinematografia consegue capturar de maneira eficiente o contraste entre a solidão da dependência química e a energia que Callahan encontra em sua arte.

“Não se Preocupe, Ele não Irá Tão Longe a Pé” não se limita a contar uma história de superação, nem transforma seu protagonista em um mártir irrepreensível. O filme reconhece que a dor e o riso coexistem, e que a busca por um novo significado não é uma linha reta, mas uma estrada cheia de desvios. Ao abraçar a complexidade de sua narrativa, a produção entrega algo raro: um retrato humano que não subestima a inteligência do espectador e que, por isso mesmo, vai muito além da tela.

Filme: Não Se Preocupe, Ele não irá tão longe à Pé
Diretor: Gus Van Sant
Ano: 2018
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★