Injustiçado e digno de Oscar, o filme que Steven Spielberg considera um dos melhores do século 21 chegou ao Prime Video Divulgação / Freestyle Releasing

Injustiçado e digno de Oscar, o filme que Steven Spielberg considera um dos melhores do século 21 chegou ao Prime Video

Rod Lurie é um dos diretores que melhor entendeu o potencial cênico-narrativo de confrontos bélicos e suas consequências, capaz de mesmerizar ao passo que descreve boa parte da história de como chegamos até aqui. “Faces da Verdade” não tem o impacto visual de clássicos modernos do gênero como “Guerra ao Terror” (2008), dirigido por Kathryn Bigelow; “Falcão Negro em Perigo” (2001), levado à tela por Ridley Scott; ou “O Resgate do Soldado Ryan” (1998), empreitada de Steven Spielberg; contudo, a carga dramática e o dom invulgar de Rod Lurie quanto a elaborar uma boa história, aliados a um elenco talentoso e perspicaz, que absorve o encaminhamento que o diretor quer dar a seu trabalho, sem prejuízo de também escutar a voz da própria intuição, suprem qualquer falta de pirotecnias, deixando claro que aqui o que de fato tem importância vai além do que se vê. Uma bem-vinda sensibilidade numa trama espinhosa.

O roteiro de Lurie tem ficção, mas tem boa dose da vida como ela é. Aludindo obliquamente ao caso de Judith Miller, a repórter do “New York Times” que descobriu uma agente secreta da CIA, a agência central de inteligência americana, infiltrada nas supostas negociações de urânio enriquecido do Níger para Saddam Hussein (1937-2006) na esteira dos ataques terroristas às Torres Gêmeas e ao Pentágono, em 11 de setembro de 2001, “Faces da Verdade” contorna minudências técnicas para concentrar-se no que interessa. Tudo provou-se uma lamentável farsa para que George W. Bush tivesse a guerra de que tanto precisava, e embora prefira não dar nome aos bois, o diretor-roteirista não se poupa de dar uma ou outra opinião, traduzida em cenas vibrantes.

Rachel Armstrong, o alter ego de Miller no longa, batalha por mais tempo para apuração do que compara ao novo Watergate, o que intriga e assusta a calejada Bonnie Benjamin, a editora-chefe do “Capital Sun-Times” vivida por Angela Bassett. Armstrong fica sabendo que a filha de Erica Van Doren, a esposa de um embaixador que servia ao governo federal quando da eclosão da Guerra do Iraque (2003-2011), estuda na mesma escola que seu filho, no subúrbio de Washington, D.C., e a persegue, sem dar-se conta de que também ela é vigiada. O filme cresce ao mirar os embates entre Armstrong e Van Doren, sublinhando os efeitos trágicos da publicação da reportagem na vida das duas mulheres.

Kate Beckinsale e Vera Farmiga são, sim, o coração do filme, mas a partir do segundo ato, momento em que Armstrong vai parar no banco dos réus por não revelar sua fonte — e daí para a cadeia, porque nega-se a fazê-lo mesmo diante da imposição de um juiz —, o enredo ganha outros personagens também dúbios, a exemplo de Albert Burnside, o advogado almofadinha de Alan Alda e seus ternos Ermenegildo Zegna, na parte da defesa, e Patton Dubois, o promotor público, mais comedido no vestir e igualmente mordaz na oratória, de Matt Dillon.

Se até aqui Lurie arranhava a discussão sobre a superioridade da segurança nacional sobre os direitos individuais, no terço final do longa resta clara a dialética, especialmente depois de a espiã morrer num atentado ridículo, por um simpatizante da ultradireita. “Faces da Verdade” não oferece resposta a essa intrincadíssima questão (até porque não poderia), mas colabora para tornar um pouco menos escuro o debate acerca da impotência do jornalismo frente a estruturas apodrecidas no ovo, que não mudam, afinal essa é a regra. Em dezessete anos, isso tudo é confuso como aquele romance de Orwell.

Filme: Faces da Verdade
Diretor: Rod Lurie
Ano: 2008
Gênero: Mistério/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.