Steven Soderbergh, um cineasta fascinado por narrativas de embustes, jogos de poder e articulações que culminam em processos arrastados por tribunais — frequentemente desaguando em somas astronômicas ou sentenças pesadas para os envolvidos —, molda “Nem um Passo em Falso” sob a desiludida premissa de que ninguém confia em ninguém, tampouco nutre qualquer afeto verdadeiro. O que rege as interações é a busca por vantagem, a manobra incessante para explorar ao máximo qualquer possibilidade de lucro, ainda que à custa do infortúnio alheio. Minimalista em sua abordagem, Soderbergh reduz o roteiro de Ed Solomon ao estritamente necessário, encadeando reviravoltas com precisão cirúrgica e mantendo o público em suspense até o último instante. O resultado é um labirinto de interesses cruzados, no qual vigaristas habilidosos, armamentos sempre à mão e tramas intrincadas se entrelaçam em um tabuleiro onde cada movimento pode ser letal.
Ambientado na Detroit de 1954, período áureo da indústria automobilística, o filme acompanha Curt Goynes, um criminoso recém-liberto que não dispõe de meios para recomeçar. O acaso, ou algo que se assemelha a ele, coloca Doug Jones em seu caminho. Figura enigmática do submundo, Jones lhe propõe um serviço aparentemente simples: cinco mil dólares por um trabalho, dois mil pagos antecipadamente. No momento em que aceita a oferta, a narrativa flerta momentaneamente com a atmosfera de “O Estranho” (1999), mas logo se desvia, sobretudo com a entrada de Ronald Russo, cúmplice involuntário na operação. O alvo? Papéis estratégicos guardados na residência de Frank Capelli, um dos chefões locais, vivido por Ray Liotta. Sob o comando de Charley — que, sob sua aparente inépcia, revela-se um operador implacável —, Goynes e Russo se veem presos em um jogo onde lealdade e traição são conceitos indistintos. A química entre Don Cheadle, Benicio Del Toro e Kieran Culkin adiciona camadas ao embate entre os personagens, pontuado por insultos raciais e tensões latentes. Paralelamente, a relação proibida entre o personagem de Del Toro e Vanessa, esposa de Capelli, interpretada por Julia Fox, amplia a rede de riscos e interesses.
A estrutura de “Nem um Passo em Falso” alterna entre a fragilidade dos pactos firmados entre indivíduos que vivem da exploração das fraquezas alheias e a inevitável colisão de suas próprias inseguranças. O que mantém esse submundo em equilíbrio precário é um código de conduta não declarado, mas essencial, cuja transgressão é sempre fatal. Contudo, a violência que permeia essa engrenagem está longe de ser um traço exclusivo desse universo clandestino. Soderbergh desenha um espelho que reflete não apenas os golpes e traições dos protagonistas, mas também os mecanismos que sustentam a sociedade como um todo. Doug Jones, Curt Goynes, Ronald Russo e Charley são arquétipos de uma realidade em que o crime não é uma anomalia, mas sim um desdobramento inevitável das estruturas de poder. Como pragas resilientes, essas figuras persistem, inalteradas, e o cinema se limita a expô-las, sem absolvição nem censura.
★★★★★★★★★★