Drama da Segunda Guerra, de Jean-Jacques Annaud, com Jude Law, Joseph Fiennes e Rachel Weisz, está na Netflix Divugação / Paramount Pictures

Drama da Segunda Guerra, de Jean-Jacques Annaud, com Jude Law, Joseph Fiennes e Rachel Weisz, está na Netflix

No cenário devastador de Stalingrado, onde a Segunda Guerra Mundial atingiu um de seus picos mais brutais, “Círculo de Fogo” constrói um embate psicológico que transcende o campo de batalha. Jean-Jacques Annaud conduz a narrativa por um viés que não apenas dramatiza os eventos históricos, mas os molda sob a ótica de um duelo pessoal entre dois atiradores de elite: Vassili Zaitsev, símbolo da resistência soviética, e o Major Erwin König, estrategista letal do exército alemão. Entre ruínas, destroços e o peso da propaganda de guerra, o filme equilibra tensão e realismo, evitando qualquer estetização heroica do conflito.

A primeira sequência já estabelece a brutalidade do cerco: soldados soviéticos cruzam o Volga sob uma tempestade de fogo inimigo, um vislumbre da implacabilidade que os aguarda. Em Stalingrado, a sobrevivência é determinada por segundos, por sombras movendo-se entre escombros e pela incerteza de que o próximo passo pode ser o último. Nesse ambiente de desespero, Vassili, interpretado por Jude Law, surge como um soldado comum cuja perícia com o rifle atrai a atenção de Danilov (Joseph Fiennes), um oficial de propaganda que o transforma em ícone nacional. A partir desse instante, Vassili deixa de ser apenas um homem e se torna um mito, um símbolo de esperança que precisa corresponder às expectativas de um povo à beira do colapso.

Se Vassili encarna o herói fabricado, König (Ed Harris) representa o adversário metódico e implacável. Designado para eliminar a ameaça que o jovem atirador soviético se tornou, o major alemão adota uma abordagem paciente e calculada, onde cada movimento é uma estratégia fria. O filme estrutura esse confronto com um ritmo que oscila entre a imobilidade absoluta e a explosão repentina, construindo uma atmosfera de caça em que o medo e a tensão substituem qualquer troca de palavras. A fotografia de Robert Fraisse acentua essa dinâmica, utilizando closes precisos para capturar o peso psicológico de cada decisão.

O roteiro de Alain Godard não se limita a essa disputa, expandindo a narrativa ao incorporar a figura de Tania Chernova (Rachel Weisz), uma combatente que adiciona um componente emocional à trama. Diferente de meros interesses românticos que funcionam como alívio dramático, Tania tem um arco próprio, representando aqueles que, sem treinamento formal, pegaram em armas para defender seu lar. Sua presença não apenas humaniza a brutalidade do conflito, mas enfatiza a ideia de que, em Stalingrado, cada sobrevivente travava sua própria guerra.

A fidelidade histórica do filme é um ponto de debate, especialmente por inserir elementos ficcionais que amplificam a narrativa. No entanto, sua força está menos na exatidão dos eventos e mais na imersão visceral que proporciona. O horror do cerco é traduzido com realismo, desde os cadáveres espalhados pelo gelo até a sensação sufocante de uma cidade transformada em ruínas. Ao invés de enaltecer feitos heroicos de maneira convencional, “Círculo de Fogo” mergulha em um estudo sobre o desgaste psicológico da guerra, onde a glória é tão fugaz quanto a vida nas trincheiras.

Dentro do gênero de filmes de guerra, a obra se destaca por sua abordagem mais intimista, priorizando a tensão e a estratégia sobre a grandiosidade das batalhas. A direção de Annaud evita exageros estilizados, apostando em uma reconstrução visual e narrativa que submerge o espectador na realidade de Stalingrado. Embora adote algumas convenções cinematográficas para intensificar o drama, seu impacto reside na forma como retrata um conflito que não se limitava ao campo de batalha, mas se manifestava em cada olhar, cada escolha e cada disparo.

Mais do que um relato sobre um episódio histórico, “Círculo de Fogo” é um estudo sobre a guerra como campo de mitificação e destruição, onde a linha entre sobrevivente e lenda se torna irreconhecível.

Filme: Círculo de Fogo
Diretor: Jean-Jacques Annaud
Ano: 2001
Gênero: Ação/Drama/Guerra
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★