Há algo de fascinante em filmes que desafiam o espectador a definir se são involuntariamente ruins ou brilhantemente caóticos. “A Filha do Chefe”, dirigido por David Zucker, transita exatamente nesse território. A comédia parece flertar com o desastre absoluto, mas encontra uma estranha identidade na confusão que provoca. O resultado não é um humor refinado, tampouco um roteiro bem estruturado—mas uma experiência de entretenimento que, contra todas as probabilidades, funciona.
O enredo não apresenta nenhuma grande inovação: Tom (Ashton Kutcher), um jovem ingênuo e atrapalhado, aceita cuidar da mansão de seu chefe exigente, Jack Taylor (Terence Stamp), na tentativa de impressionar sua filha, Lisa (Tara Reid), por quem nutre uma paixão platônica. O que deveria ser uma simples noite de vigilância se transforma em um desfile de personagens excêntricos e situações absurdas que gradualmente destroem qualquer vestígio de normalidade. O que diferencia essa história de tantas outras comédias do gênero é justamente a forma como Zucker conduz esse caos — não como um erro de direção, mas quase como um experimento sobre os limites da comédia física e do absurdo.
Kutcher, frequentemente associado a papéis de tolos carismáticos, entrega aqui uma atuação que surpreende por seu equilíbrio. Diferente de seus trabalhos anteriores em “Cara, Cadê Meu Carro?” e “Recém-Casados”, onde o exagero é parte essencial da construção cômica, seu Tom é menos histriônico e mais reativo — um personagem que se torna engraçado justamente por parecer perdido no meio do furacão. Ele assume o papel do espectador dentro da trama, um ponto de identificação que ajuda a ancorar o filme, por mais insano que o enredo se torne.
O verdadeiro trunfo do longa, porém, está na figura de Terence Stamp. Conhecido por papéis intensos e austeros, o ator parece se divertir genuinamente ao interpretar Jack Taylor, um chefe tirânico cuja severidade beira o ridículo. O contraste entre sua postura séria e as situações ridículas que o cercam cria um efeito cômico involuntário, transformando até diálogos banais em momentos de humor seco e preciso. Se Kutcher é o fio condutor do absurdo, Stamp é o elemento que dá a esse absurdo um tom quase sofisticado.
No entanto, nem mesmo o carisma dos protagonistas consegue redimir completamente os problemas do roteiro de David Dorfman. Em sua tentativa de chocar e testar os limites do politicamente incorreto, o filme esbarra em piadas que envelheceram mal e ultrapassam o território do desconforto. Há momentos em que a transgressão parece gratuita, sem a inteligência ou a subversão necessárias para justificar o choque. Diferente dos irmãos Farrelly, mestres em transformar o grotesco em algo satiricamente inteligente, Dorfman confunde ofensa com humor, fazendo com que algumas sequências pareçam mais desajeitadas do que provocativas.
Mesmo com esse obstáculo, Zucker exibe sua habilidade em manter o ritmo frenético da narrativa, impedindo que o espectador tenha tempo de questionar demasiadamente os erros do filme. A sucessão rápida de eventos impede que a monotonia se instale, e, por mais falhas que algumas cenas sejam, outras surgem logo em seguida para restaurar o fôlego cômico. Esse dinamismo se deve, em grande parte, ao talento do elenco de apoio. Molly Shannon e Andy Richter contribuem com pequenos, mas valiosos momentos de comédia, que ajudam a equilibrar o impacto das escolhas narrativas mais duvidosas.
Um elemento inesperadamente interessante é a presença de Carmen Electra. Apesar de assumir um papel estereotipado, sua performance sugere um nível de metalinguagem raro nesse tipo de filme. Ela não apenas interpreta o arquétipo da mulher sensual e descartável da comédia pastelão — ela parece brincar com a própria ideia desse arquétipo, como se estivesse ciente da superficialidade de sua personagem e usasse isso a seu favor. Seu humor autoconsciente adiciona uma camada inusitada ao filme, funcionando como uma piada interna para o público atento.
O que torna “A Filha do Chefe” digno de discussão, porém, não é sua qualidade técnica ou sua escrita afiada, mas sua capacidade de entreter mesmo dentro de suas próprias limitações. Zucker, ainda que distante do brilhantismo de seus trabalhos anteriores, como “Apertem os Cintos… O Piloto Sumiu!”, consegue extrair humor do caos, fazendo com que a experiência de assistir ao filme seja, de certa forma, irresistível.
Não se trata de uma comédia sofisticada, nem de um clássico cult inesperado, mas de uma tentativa descontrolada de fazer rir a qualquer custo — e, curiosamente, essa tentativa funciona. A linha entre genialidade e desastre é fina, e “A Filha do Chefe” caminha sobre ela sem qualquer pretensão de equilíbrio. No final, sua maior virtude talvez seja essa: ser um filme que não teme o ridículo, e que, por isso mesmo, consegue encontrar graça onde outros apenas tropeçariam.
★★★★★★★★★★