O filme alemão que transformou a morte em sinfonia, emocionou plateias pelo mundo e mudou a forma de enxergar a vida está na Imovision Divulgação / Imovision

O filme alemão que transformou a morte em sinfonia, emocionou plateias pelo mundo e mudou a forma de enxergar a vida está na Imovision

A morte não é tão feia quanto se pinta. Pelo menos é essa a impressão do espectador diante de “Dying”, um drama com notas cômicas — ou uma comédia embebida em muito drama —, especialidade de Matthias Glasner, um dos grandes diretores europeus, cuja fama é inversamente proporcional ao talento. Desafiando a correção política, Glasner consegue encadear lances que parecem divertidos a muita gente e que provocam repugnância e pavor em outros tantos, abordando um tema do qual todos entendemos.

O pulo do gato no roteiro do diretor é ser capaz de perceber as nuanças entre ironia, sarcasmo, cinismo e um maldisfarçado grito de alerta sobre o que fazer diante da Indesejada, e claro que sempre haverá tantas respostas quantas forem as pessoas no mundo. Há quem saiba fazer da morte uma fonte de inspiração para propósitos artísticos maiores, argumento que Glasner desenvolve ao longo de imponentes 180 minutos por meio de Tom Lunies, seu protagonista, um maestro à beira da loucura por causa dos pais  enfermos e do relacionamento instável, tentando encontrar alguma razão que não o faça jogar tudo para o alto. Esse estímulo pode ser a música, seu trabalho, mas, como se disse no início deste texto, nem tudo é o que parece. 

Na primeira cena, Lissy, a mãe de Tom interpretada por Corinna Harfouch, está sentada sobre as próprias fezes falando ao telefone com uma vizinha que pede-lhe que tome providências quanto ao marido, Gerd, de Hans-Uwe Bauer, que perambula pelo quarteirão nu da cintura para baixo. Há alguma coisa de muito errado com Gerd, por óbvio, mas Lissy também não está nos seus melhores dias. Conforme o enredo avança, sabe-se que ela tem um câncer agressivo e está ficando cega por causa do diabetes, e numa sequência pouco tempo depois, quando os dois deixam o supermercado com a confusão inicial aparentemente superada, o diretor-roteirista acha um jeito leve de mostrar que Lissy também precisa de cuidados.

Antes de saírem, ela havia ligado para o filho pedindo-lhe que os visitasse assim que o trabalho permitisse; meio a contragosto, ele vai e o que acontece nesse inusitado encontro de mãe e filho explica muito do que se assiste mais tarde. Verdades amargas são ditas por Lissy, que declara que, embora se forçasse, jamais pudera amar Tom — ela acaba por confessar que por anos teve medo de que ele tivesse sequelas de um tombo quando o bebê estava em seus braços (e é possível que Lissy o tenha deixado ir ao chão de propósito). Ele por seu turno parece ter sentido a rejeição materna e hoje tem-lhe tamanho horror que não sente-lhe nenhuma pena, lamentando que seu pai, a essa a altura já falecido, tenha passado meio século a seu lado. Na verdade, Tom lamenta mesmo é estar desperdiçando tanto tempo quando tem sua sinfonia da morte para concluir.

Malgrado aprofunde-se com alguma habilidade e destemor em outros tópicos, a desromantização da maternidade e da paternidade é sem dúvida o grande assunto de “Dying”. Lars Eidinger fixa-se ora em uma, ora em outra face de Tom, saindo do imbróglio do personagem com a mãe para retratá-lo na pele de um homem apaixonado cuja companheira acaba de ter um bebê que não é seu. Eidinger sai-se bem ao sublinhar a luta de Tom contra seus demônios, pensando no filho da namorada ao passo que volta a seu histórico de negligência e desprezo por parte de Lissy, e sofremos com ele. Se rindo-se castigam os costumes, a morte deve sentir fundo nossas estocadas quando resolvemos que é hora de tocar um tango argentino. Mas isso leva-se bastante tempo para aprender. Quiçá uma vida.

Filme: Dying: A Última Sinfonia
Diretor: Matthias Glasner
Ano: 2024
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.