A perpetuação da espécie nos obriga a adotar posturas cada vez mais beligerantes, como se a sobrevivência exigisse um tributo inegociável de hostilidade. Esse impulso, refinado pela sucessão de desafios impostos por um mundo em perpétua turbulência, nos transforma em peças de um jogo impiedoso, onde a autonomia se dissolve e a moralidade se adapta ao que for necessário para seguir adiante. Quando se está só, sem qualquer garantia de amparo, a própria identidade se dobra à lógica da coletividade, e o pensamento individual cede lugar a uma submissão calculada. O caos que rege a existência humana ainda não atingiu a sofisticação tenebrosa encenada por tantas ficções contemporâneas, mas isso não significa que nossa realidade seja mais palatável. O colapso, embora ainda em construção, já projeta suas sombras sobre nós.
De forma lúdica, “Jumanji: Próxima Fase” reflete esse constante estado de transição que marca nossa espécie, reafirmando que, tal qual os videogames que o inspiram, cada nova fase traz um grau de desordem mais intrincado. Seguindo a premissa estabelecida em “Jumanji: Bem-vindo à Selva” (2017), Jake Kasdan retoma a jornada de um grupo de adolescentes lançados para dentro de um universo alternativo, um simulacro caótico mediado por um console antiquado.
Dessa vez, entretanto, a experiência se apresenta ainda mais confusa e imprevisível. O roteiro, escrito em parceria com Jeff Pinkner e Scott Rosenberg, sugere uma crítica sutil ao avanço desenfreado da tecnologia, estabelecendo um curioso — e agridoce — diálogo com o filme original de 1995, dirigido por Joe Johnston. Sob essa perspectiva, o novo Jumanji não se limita a ser um jogo, mas um reflexo tortuoso das engrenagens que regem a nossa era.
A vastidão do universo contrasta de forma cruel com a pequenez dos que tentam governá-lo. Em meio a sucessivas revoluções tecnológicas e transformações sociais abruptas, seguimos oscilando entre o progresso e a estagnação. A trajetória de Spencer ilustra essa dissonância: admitido na Universidade de Nova York, ele descobre que a ascensão a um novo patamar da vida não significa necessariamente estabilidade.
O desgaste do relacionamento com Martha (Morgan Turner) e o retorno à casa paterna durante as férias de Natal trazem um desalento inevitável, suavizado apenas pela presença de Eddie, seu avô. A introdução do filme se constrói sobre esse vínculo, sustentado com delicadeza por Alex Wolff e Danny DeVito, em uma sequência que oscila entre a comicidade e a melancolia, preparando o terreno para a nova incursão no jogo.
A inquietação de Spencer o conduz ao porão da casa, onde algo antigo e esquecido espera por ele. Quando sua ausência se prolonga, Bethany e Fridge seguem seu rastro e se deparam com um dispositivo enigmático, conectado a uma televisão que parece vinda de outra era. O resultado é imediato: todos são sugados mais uma vez para Jumanji, mas algo mudou. Os papéis que ocupavam antes foram rearranjados de forma grotesca, desorganizando ainda mais a lógica interna do jogo.
É a deixa para que Dwayne Johnson, Karen Gillan, Kevin Hart e Jack Black assumam novamente seus avatares, conduzindo a trama com a leveza habitual. Mas por trás do espetáculo de aventura, ressoa uma provocação: se a realidade pode ser tão aleatória e descontrolada quanto um jogo, será que estamos realmente evoluindo, ou apenas mudando de fase sem aprender nada? Se a única resposta possível está nos sonhos, que ao menos saibamos sonhá-los com inteligência.
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