Thriller chileno baseado em caso real vai te deixar preso por 96 minutos

Thriller chileno baseado em caso real vai te deixar preso por 96 minutos

No Chile dos anos 1950, um crime que poderia ser mais um caso rotineiro nos anais da justiça se desdobra em um caso de opressão, identidade e anseios reprimidos. A trama se infiltra na rotina de Mercedes, secretária submersa nas convenções que ditam sua existência, e acompanha sua inesperada conexão com o julgamento de uma mulher acusada de assassinar o amante em um hotel luxuoso. O que começa como um crime de solução aparente se converte em uma análise profunda sobre os ecos psicológicos e sociais de um ato de ruptura.

Sob a direção meticulosa de Maite Alberdi, a narrativa privilegia enquadramentos apertados e uma fotografia repleta de texturas, instaurando uma atmosfera onde o desconforto se alia às faíscas de emancipação. Mercedes, até então figura discreta entre registros e relatórios, encontra na história da ré um reflexo de seus próprios silenciamentos. Quando surge a chance de ocupar temporariamente o apartamento da escritora acusada, ela se entrega a uma existência que nunca lhe foi permitida.

O mergulho naquele espaço não é apenas um desvio da rotina, mas um encontro com uma vida que lhe parecia inalcançável. O toque do cetim de um vestido refinado, o tempo dilatado de um banho sem pressa, a liberdade de ocupar um cômodo sem justificativas transformam-se em experiências revolucionárias. A interpretação de Elisa Zulueta traduz essa metamorfose com uma fisicalidade sutil, onde cada gesto carrega a carga de anos de contenção. O contraste entre sua existência ordinária e a fugaz apropriação desse espaço evidencia a asfixia de seu cotidiano: no lar, uma presença funcional; no trabalho, uma peça substituível; no apartamento da escritora, um ser pleno, ainda que por um breve intervalo.

O filme evita o voyeurismo sensacionalista tão comum em narrativas criminais e se desvia da exploração dos aspectos sórdidos do caso. Não se trata de julgar culpa ou inocência, mas de expor a rigidez de estruturas que cerceiam as mulheres e explorar as brechas que elas encontram para afirmar sua existência. A abordagem feminista permeia o filme sem a necessidade de discursos panfletários: a política está nos gestos, nos olhares, na apropriação silenciosa de espaços que a sociedade insiste em lhes negar.

A presença de Mercedes é efêmera naquele apartamento, mas suas ações deixam marcas imperceptíveis: a água que tocou sua pele evapora, mas as plantas que regou seguirão crescendo. Nesse detalhe aparentemente banal reside a essência do filme: a confirmação de que pequenos atos de autonomia são capazes de redefinir existências inteiras.

Filme: No Lugar da Outra
Diretor: Maite Alberdi
Ano: 2024
Gênero: Crime/Drama/História
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★