Gostamos de acreditar que traçamos nosso próprio destino. Supomos que esforço e dedicação são suficientes para moldar o futuro, mas a equação da existência é mais complexa. Não se trata apenas de sorte, tampouco de mérito absoluto. Há uma trama maior, urdida em fios invisíveis que fogem ao nosso controle. Não escolhemos as circunstâncias que nos moldam, nem sempre antecipamos as curvas do caminho. Em “Passado Violento”, Adrien Brody, vencedor do Oscar de melhor ator, dá vida a Clean, um homem que carrega um histórico sombrio e busca, a todo custo, se redimir.
A identidade, no entanto, é um espectro persistente. Clean é um ex-dependente químico em recuperação, que sobrevive coletando lixo nas madrugadas gélidas e, durante o dia, restaura aparelhos eletrônicos para revendê-los em um antiquário. A jovem vizinha, Dianda (Chandler DuPont), lembra-lhe sua filha perdida, tornando-se um elo entre o presente e as ruínas do passado. Embora bem-visto por quem o cerca, Clean insiste em se definir como um homem falho, sinalizando um histórico de erros que não podem ser apagados. Seu passado não é um livro fechado, mas um fantasma que caminha ao seu lado.
Quando conserta uma bicicleta e a presenteia a Dianda, a avó da menina, Ethel (Michelle Wilson), é categórica: “Ela não é sua filha. Não precisamos ser salvas”. A resposta de Clean é tão direta quanto reveladora: “Estou tentando salvar a mim mesmo”. Com essa frase, ele escancara sua motivação. Não se trata de altruísmo, mas de um esforço desesperado para ancorar-se em algo que impeça sua própria ruína. No entanto, a vizinhança em que vivem é um terreno hostil. Dianda, ignorando os avisos de Clean, se aproxima de traficantes locais e, certo dia, se vê drogada dentro da casa de um deles. O ambiente se torna um palco de ameaça iminente, até que Clean intervém. O que poderia ser mais um episódio de violência urbana se transforma em uma chacina. Com um martelo em mãos, ele reduz a pó qualquer vestígio de humanidade nos criminosos, deixando o filho de um chefão do tráfico desfigurado.
Esse ato brutal tem consequências imediatas. A retaliação dos criminosos é inevitável, e Clean percebe que a única saída para proteger Dianda e sua avó é escapar da cidade. Mas quem conhece as engrenagens do crime sabe que não há refúgio possível. O que foi iniciado precisa ser concluído. Clean já esteve inserido nesse submundo, compreende suas regras e antecipa os passos dos inimigos. Se a caçada começou, ele não será a presa. Em vez de se esconder, decide assumir o papel de caçador. O homem que tentava construir uma nova identidade agora precisa despir-se dela e resgatar aquilo que sempre tentou enterrar.
Para isso, Clean se despe de qualquer ilusão sobre sua natureza. O homem que tentou se reinventar desaparece, dando lugar ao assassino meticuloso que um dia foi conhecido como “o ceifador”. O lixeiro das noites frias revela-se um predador silencioso, pronto para retomar a única identidade que o mundo realmente reconhece. A busca por redenção dá lugar à sede de justiça imposta pela necessidade de sobrevivência.
Escrito por Adrien Brody, em parceria com Paul Solet, que também assume a direção, “Passado Violento” bebe da fonte de “Taxi Driver”, evocando uma atmosfera de caos urbano e violência latente. Além de protagonizar, Brody se envolveu diretamente na produção, assinando a trilha sonora ao lado de Austin Wintory. Compositor há mais de três décadas, o ator trouxe para a narrativa sua sensibilidade musical, reforçando a ambientação opressiva que permeia o longa.
Brody idealizou a história e, embora tenha rascunhado um esboço inicial, decidiu que precisava de um olhar externo para lapidar o projeto, convidando Solet para a colaboração. O resultado é um filme que transita entre o drama e a ação, flertando com o noir em sua estética predominantemente noturna. À medida que a trama avança, o espectador é conduzido a um terreno onde a brutalidade não é um recurso estilístico, mas um reflexo inevitável das engrenagens de um mundo violento. Além da performance magnética de Brody, o elenco conta com Glenn Fleshler, conhecido por seus papéis intensos em “The Watchmen” e “Coringa”, ampliando ainda mais o peso dramático da narrativa.
★★★★★★★★★★