Diante de certos filmes, é inevitável que o espectador se sinta o mais racional dos seres humanos. “A Queda” oferece uma sucessão de escolhas tão imprudentes que funcionam quase como um aceno condescendente a quem prefere o conforto de uma conversa casual entre amigos, ladeada por petiscos e bebidas, ao invés de se lançar voluntariamente ao desconhecido em nome de uma suposta aventura extrema. Scott Mann, consciente da tendência humana ao fascínio pelo perigo, constrói um terror psicológico que dialoga com a insensatez travestida de ousadia, explorando os limites entre coragem e estupidez.
A premissa não poderia ser mais angustiante: duas jovens resolvem escalar a Torre da KVLY-TV, um mastodonte metálico corroído pelo tempo, abandonado no interior da Dakota do Norte. Como se a decisão já não fosse questionável por si só, a escalada, tratada com a leviandade de quem escolhe um lanche antes de uma sessão de cinema, se transforma numa espiral de desespero. A altitude torna-se um fator simbólico e físico de provação, onde resistência, instinto de sobrevivência e a brutalidade da condição humana colidem. Mann e Jonathan Frank, corroteirista da obra, despejam na tela um catálogo de reações humanas ao extremo, temperado por doses generosas de escárnio e desconforto.
O início sugere uma abordagem semelhante à de “Skywalkers: A Love Story” (2024), documentário que registra o perigo como um fetiche para escaladores urbanos. No entanto, a jornada de Becky Connor assume contornos mais trágicos. Após perder Dan, vivido com intensidade por Mason Gooding, ela se entrega a um luto entorpecente, refugiando-se em álcool e rituais autodestrutivos que culminam na obsessão por manter contato com o marido morto. Em um desses momentos de impulsividade emocional, aceita a proposta de Shiloh Hunter, sua melhor amiga, de espalhar as cinzas de Dan do topo da imponente B-67, um monumento ao abandono e à insensatez humana, interditado há anos, mas ainda atraente para mentes instáveis.
Com o desenrolar da trama, o peso da imprudência se materializa na forma de uma luta desesperada pela sobrevivência. Becky e Shiloh se veem aprisionadas a centenas de metros do chão, condenadas a um sofrimento sem mediadores. As atrizes Grace Caroline Currey e Virginia Gardner sustentam a tensão com performances que transbordam angústia, tentando driblar o inevitável por meio de tentativas cada vez mais absurdas de fuga. Em um dos momentos mais questionáveis, Becky precisa escalar ainda mais alto para recarregar um drone nas luzes de sinalização da torre, um ato cuja viabilidade técnica beira o inverossímil, mas que adiciona mais um elemento de desespero ao roteiro. Entre alucinações e decisões desesperadas, as protagonistas enfrentam um antagonista inusitado: um urubu que, ao invés de mero espectador da tragédia, torna-se uma peça fundamental na batalha pela sobrevivência.
No fim das contas, “A Queda” não se limita a um exercício de sadismo visual, mas provoca reflexões sobre a relação entre luto, culpa e a ilusão do controle. A experiência de Becky é, ao mesmo tempo, uma metáfora cruel e uma jornada de purgação emocional, onde a altitude funciona como um palco para os fantasmas internos ganharem forma. E se, ao longo do filme, a frustração do espectador cresce junto com a percepção de que as protagonistas se colocaram nessa situação por livre e espontânea burrice, isso talvez seja um dos maiores méritos da obra: expor, sem concessões, a fina linha que separa a superação do puro e simples absurdo.
★★★★★★★★★★