Parece bobinho,  mas não é: comédia romântica que aborda filosofia determinista e niilista é surpresa inteligente e reflexiva no Prime Video Divulgação / Orogen Entertainment

Parece bobinho, mas não é: comédia romântica que aborda filosofia determinista e niilista é surpresa inteligente e reflexiva no Prime Video

O que distingue um filme verdadeiramente memorável de uma produção comum não é apenas sua premissa, mas a maneira como ela se desdobra, desafiando expectativas e revelando camadas que vão além dos gêneros e convenções. Sob a aparência de uma comédia romântica com um toque de ficção científica, esse enredo se revela um retrato desconcertante da dor emocional e da paralisia diante da incerteza. O que poderia ser uma história previsível sobre encontros e desencontros amorosos se transforma em uma análise sobre o desejo de congelar o tempo quando o futuro parece um abismo.

A engrenagem narrativa do “loop temporal” — materializada por um dispositivo incomum como uma câmara de bronzeamento artificial — não funciona como um mero truque para impulsionar a trama, mas sim como a expressão física de um dilema existencial. A protagonista não está em busca de uma segunda chance para acertar seus erros ou reviver um grande amor; ela luta contra o movimento inevitável da vida, agarrando-se a um instante efêmero para evitar o confronto com o que vem depois. Mais do que um fenômeno temporal, sua repetição é uma negação deliberada da realidade.

Essa recusa em seguir adiante se reflete em cada escolha estética e narrativa do filme. Longe das superproduções feitas para ganhar prêmios, a obra adota uma abordagem minimalista que amplifica sua intensidade emocional. A cinematografia se abstém de firulas desnecessárias, permitindo que a história respire dentro de uma atmosfera que oscila entre a ironia e o desespero silencioso. A aparente leveza inicial logo se dissolve, e a narrativa se torna uma viagem cada vez mais profunda para dentro do niilismo e da dor, lembrando o tom filosófico de “Sr. Ninguém” — uma referência inevitável para quem percebe no cinema uma arte que explora a existência e suas contradições.

O papel da protagonista Sheyla, vivido por Kaley Cuoco, divide opiniões. Há quem veja na sua atuação uma expressividade contida demais, enquanto outros reconhecem que a personagem exige precisamente essa postura: uma presença marcada pelo esgotamento emocional, pela resignação silenciosa. Diferente dos papéis que marcaram sua carreira, aqui Cuoco traduz uma exaustão interna que se faz visível em pequenos gestos, olhares e na falta de reação a eventos que, em qualquer outra comédia romântica, seriam tratados como viradas entusiasmadas do destino. Sua atuação não busca comover por meio do drama escancarado, mas sim pela honestidade brutal da apatia.

O tom do filme é uma montanha-russa emocional mascarada por uma roupagem cômica. A ilusão de uma trama leve e despretensiosa se desfaz conforme a história avança, levando o público a um labirinto de reflexões que nada tem de confortável. Se os primeiros momentos sugerem uma experiência divertida, logo o filme se revela claustrofóbico, como se o espectador estivesse preso dentro da mesma repetição que atormenta a protagonista. Não se trata apenas de reviver o mesmo dia, mas de experimentar a mesma dor, a mesma frustração, a mesma impossibilidade de avançar.

Talvez o grande mérito do filme esteja justamente na maneira como subverte as convenções do gênero ao qual supostamente pertence. Quem entra na sessão esperando um romance cativante pode se sentir traído, mas para aqueles dispostos a encarar uma experiência cinematográfica que dialoga com a angústia humana, há aqui algo que ressoa de forma incômoda e, por isso mesmo, inesquecível.

Filme: Ajustando no Amor
Diretor: Alex Lehmann
Ano: 2022
Gênero: Comédia/Drama/Fantasia/Ficção Científica/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★