Considerado um dos maiores faroestes do século, épico com Brad Pitt está on-demand no Prime Video Divulgação / Warner Bros.

Considerado um dos maiores faroestes do século, épico com Brad Pitt está on-demand no Prime Video

Desde os primeiros lampejos de consciência, quando a noção de ser no mundo se insinua sem que possamos compreendê-la em sua inteireza, algo se impõe com a força de uma lei silenciosa: tudo aquilo que almejamos tem um preço. O custo, por vezes suportável, em outras dilacerante, define não apenas nossas escolhas, mas também as ruínas que deixamos ao longo do caminho. O que inicialmente parece um deleite, uma concessão ao desejo, logo se revela um engano que exala cinzas, como se cada prazer exigisse um resgate doloroso. A existência, nesse sentido, espelha um ritual incessante de perdas e compensações, uma chama que queima sem jamais consumir-se por completo. E quando a morte enfim chega, não apaga rastros nem extingue culpas; ao contrário, perpetua o eco de cada decisão tomada, como num painel renascentista em que o destino se desenha com tintas indeléveis, condenando o homem ao peso de sua própria história.

Mais do que uma narrativa sobre um fim violento, “O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford” mergulha nas contradições que alimentam o desejo humano, oscilando entre admiração e ressentimento, fascínio e repulsa, cobiça e submissão. O neozelandês Andrew Dominik, que já havia se interessado por esse universo de personagens dúbios em “Chopper” (2000), retoma aqui sua obsessão por figuras que transitam na margem entre o mito e a falência moral. Jesse James, bandido elevado à condição de lenda, e Robert Ford, sombra que oscila entre a idolatria e a traição, formam o cerne de um embate que, longe de ser apenas físico, carrega em si uma tensão psicológica e emocional que transforma o duelo entre eles em algo bem mais amplo do que um simples desfecho trágico. O título já antecipa o inevitável, mas não é o desenlace que importa — e sim o que se desenha antes do golpe final, na complexa trama de obsessões que conduz ao abismo.

Ao longo de 160 minutos, Robert Ford revela-se menos um traidor consciente do que um jovem aprisionado em uma espiral de frustração e desejo inconfessável. Sua devoção a Jesse James não se limita à busca por reconhecimento ou status entre os fora-da-lei; há ali uma fissura mais profunda, uma admiração que beira o fetichismo e que o filme sublinha com sutileza. Baseado no romance homônimo de Ron Hansen, o roteiro de Dominik sugere sem explicitar, tensiona sem resolver, lançando sombras sobre as intenções e afetos de Bob, que, desde os doze anos, alimenta uma reverência quase doentia pelo lendário assaltante de trens. Quando finalmente se aproxima do ídolo, já aos dezenove, encontra a rejeição vinda de Frank James, o irmão mais velho e guardião do legado da gangue, interpretado por Sam Shepard. Esse momento, aparentemente simples, é o estopim para a transformação do que antes era devoção em algo mais sombrio e irremediável.

A narrativa cresce em densidade à medida que Jesse pressente a ameaça iminente, como se soubesse que sua imagem atravessaria o tempo, sobrevivendo ao próprio fim. Brad Pitt e Casey Affleck exploram essa dinâmica com precisão: enquanto Jesse exibe um misto de resignação e cálculo, Bob oscila entre a certeza da glória futura e o pavor da insignificância. No jogo de forças entre os dois, a história reafirma um ciclo recorrente: ídolos caem, traidores são esquecidos. A América do século XIX pode ter dado a Ford seu momento de notoriedade, mas o tempo encarregou-se de relegá-lo à condição de nota de rodapé. Afinal, não basta apagar uma lenda para tomar seu lugar — é preciso carregar consigo a grandeza que a sustentava. E isso, Ford jamais conseguiu.

Filme: O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford
Diretor: Andrew Dominik
Ano: 2007
Gênero: Crime/Faroeste
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★