Robert Eggers reinventou o terror. O diretor tem feito desse gênero não apenas um manancial de boas intervenções estéticas, mas também uma nova leitura do estranhamento da vida, presente com mais força em tempos mortos. Observa-se essa sua intenção em “A Bruxa” (2015), “O Farol” (2019) e “O Homem do Norte” (2022), trabalhos em que faz questão de a todo momento lançar ao rosto do espectador inseguranças quanto ao que é ou não normal e por quê, e em “Nosferatu” tensiona um pouco mais a corda, agora remodelando a seu talante um sucesso centenário. Eggers bebe da fonte de “Nosferatu” (1922), o clássico de F. W. Murnau (1888-1931), para chegar a um filme límpido em sua essência trevosa, sem medo de simpatizar com o monstro que resolve deixar sua sepultura e atanazar uma socialite recém-casada na Inglaterra de 1838. A exemplo de Murnau, Eggers deixa o vampiro, também conhecido como Conde Orlok, dar sua versão da história, exatamente como se lê no “Drácula” (1897) de Bram Stoker (1847-1912). E nem todo mundo aguenta ouvi-lo.
Por paradoxal que soe, “Nosferatu” é uma história de amor, ou melhor, de amores — e por isso não sai de moda. Com sua beleza, juventude e gosto pelo requinte, Ellen e Thomas Hutter, os mocinhos de Lily-Rose Depp e Nicholas Hoult, são o casal perfeito. Eles ainda não têm filhos, talvez o planejem para depois que Thomas consiga a promoção no trabalho como algo semelhante a um corretor de imóveis, e para tal precisa ir de Londres até os Cárpatos, uma cadeia de montanhas de 1.500 quilômetros que espraia-se da Europa Central para o Leste Europeu, a fim de visitar o possível comprador de uma propriedade em ruínas.
A viagem tomar-lhe-á seis semanas, e Ellen pressente que algo de tétrico há de suceder ao marido. O diretor-roteirista vai incluindo à margem da narrativa elementos que preparam o espírito do público para os fatos que guarda para a virada do segundo para o terceiro ato, como fazer Thomas parar num vilarejo perdido na imensidão da Schwarzwald, a Floresta Negra alemã, e implorar por uma cama na única estalagem da região, depois de ser hostilizado por ciganos e presenciar o que parece-lhe um ritual demoníaco, no qual uma virgem é levada pela multidão sobre uma alimária. Na manhã seguinte, não encontra seu cavalo e cumpre o restante do trajeto andando. Quando finalmente chega, depara-se com uma figura sombriamente enigmática, de voz profunda e uma duvidosa insistência em fazê-lo permanecer no castelo o máximo que puder.
Metódico, obsessivo, Eggers empreende uma farta pesquisa no folclore e em dados científicos na construção de sua besta. Nosferatu é, sim, uma criatura que inspira asco, mas qualquer um é capaz de especular quanto a sua constituição cultural de alguém que escapou de guerras que marcaram-lhe de cicatrizes e decerto acordaram perversões como o gosto por sangue, que mantinha sob controle. Numa performance corajosa, Bill Skarsgård consegue superar o feioso Max Schreck (1879-1936) do longa de 1922, e, quiçá, tenha impresso a cara definitiva do diabólico nobre da Transilvânia. Até que alguém supere Robert Eggers.
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