Angustiante e perturbador, thriller de Gus Van Sant, no Reserva Imovision, não vai desgrudar da sua mente durante dias Divulgação / MK2 Productions

Angustiante e perturbador, thriller de Gus Van Sant, no Reserva Imovision, não vai desgrudar da sua mente durante dias

Gus Van Sant, em sua contínua investigação sobre os abismos emocionais da juventude, constrói em “Paranoid Park” uma experiência sensorial que desafia convenções narrativas. Adaptado do romance de Blake Nelson, o filme é mais que uma adaptação literária, se  torna um olhar atmosférico sobre culpa, alienação e a fragilidade moral inerente ao amadurecimento. A trama se ancora na trajetória de Alex, um jovem skatista que, em um instante de caos, provoca a morte de um segurança ferroviário. Mas, longe de ser um suspense convencional sobre crime e punição, a obra se desdobra como um fluxo de consciência fragmentado, onde memória e realidade se confundem.

Van Sant adota uma estrutura narrativa que rompe com a linearidade, transformando cada cena em um fragmento da subjetividade de Alex. O filme rejeita os mecanismos tradicionais de construção dramática e opta por uma abordagem impressionista, onde a causalidade dos eventos se dissolve. O protagonista, interpretado com impassibilidade por Gabe Nevins, não se encaixa nos arquétipos usuais da adolescência rebelde. Ele não é um anti-herói, tampouco um jovem perdido em busca de redenção. Em vez disso, é uma figura enigmática, anestesiada emocionalmente e isolada do mundo que o cerca. O roteiro evita diálogos explicativos, permitindo que a expressão corporal e os olhares vazios do personagem comuniquem seu estado de paralisia interna.

“Paranoid Park” se apropria de uma estética granulada, evocando uma sensação de memória difusa. Van Sant e o diretor de fotografia Christopher Doyle — colaborador recorrente de Wong Kar-Wai — constroem imagens que parecem suspensas no tempo, onde a câmera desliza entre os personagens como se testemunhasse lembranças fragmentadas. A obsessão do diretor pelo slow motion transforma o ato de andar de skate em uma metáfora visual da busca por escape. O parque que dá nome ao filme surge como um território quase mitológico, um espaço onde os jovens desafiam a gravidade não apenas no sentido físico, mas existencial. Cada movimento sobre as rampas se torna uma tentativa de transcendência, uma forma de desafiar a inevitabilidade das consequências.

A trilha sonora reflete essa imersão sensorial, combinando o concretismo sonoro de Robert Normandeau com faixas inesperadas, como a trilha de Nino Rota para “Julieta dos Espíritos”. A escolha pode parecer dissonante à primeira vista, mas revela afinidades sutis entre Alex e Giulietta, personagens separados por décadas e contextos distintos, mas ambos aprisionados em dilemas internos e assombrados por fantasmas psicológicos. O design de som, repleto de ecos, silêncios prolongados e ruídos diegéticos distorcidos, reforça a sensação de isolamento do protagonista, como se ele estivesse desconectado da realidade tangível.

Porém, apesar da sofisticação estética e da intensidade emocional que Van Sant traz à narrativa, há algumas limitações. O olhar do diretor sobre a juventude permanece essencialmente masculino, e as personagens femininas são reduzidas a esboços superficiais. A namorada de Alex é representada de forma quase caricatural, sua mãe surge como uma presença distante e a única garota que o compreende é filmada de maneira impessoal. Essa tendência reflete uma recorrente fragilidade no cinema de Van Sant: sua empatia parece gravitar mais facilmente em torno de protagonistas masculinos introspectivos, deixando pouco espaço para a complexidade feminina.

Mesmo assim, “Paranoid Park” se afirma como uma das obras mais desafiadoras do diretor. Sua força não está na construção de um arco dramático convencional, mas na maneira como traduz visualmente o labirinto emocional de seu protagonista. A questão não é se ele será punido, mas se conseguirá conviver com o peso de sua escolha. Van Sant reafirma, assim, sua habilidade de transformar dilemas internos em poesia visual, um testemunho inescapável desse talento.

Filme: Paranoid Park
Diretor: Gun Van Sant
Ano: 2007
Gênero: Crime/Drama/Mistério
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★