Indicado ao Oscar 2025 e ao Globo de Ouro, o novo filme de Angelina Jolie acaba de chegar ao Prime Video Pablo Larraín / Netflix

Indicado ao Oscar 2025 e ao Globo de Ouro, o novo filme de Angelina Jolie acaba de chegar ao Prime Video

Maria Callas (1923-1977) nunca soube o que é covardia. A “garotinha grega”, como chamava-a Aristóteles Onassis (1906-1975), seu segundo marido e grande amor conturbado, venceu a pobreza severa na Manhattan onde nascera, de pais helênicos, e tornou-se a mais popular cantora lírica do mundo, não sem pagar o preço, decerto alto demais, de afrontar o estabelecido. Algumas das entrelinhas da longa e tortuosa história de Callas estão em “Maria”, a biografia bastante idiossincrásica na qual Pablo Larraín expõe seu ponto de vista sobre o que pode ter arruinado a carreira da Divina, fulminada por um ataque cardíaco aos 53 anos.

Famoso por suas maravilhosas excentricidades artísticas, Larraín vai ainda mais longe do que já tinha ido no vesanamente divertido “O Conde” (2023), uma sátira aos anos da ditadura de Augusto Pinochet Ugarte (1915-2006) no Chile, seu país natal, ou “Neruda” (2016), em que tece perturbadoras especulações quanto ao que pode ter havido com a nação andina logo após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), concentrando-se em seu personagem-título, Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto (1904-1973) na carteira de identidade, e em todas as muitas contradições em torno de sua opulenta figura. Em “Maria”, Larraín e o roteirista Steven Knight colocam a personagem central em situações assumidamente fantasiosas — malgrado plausíveis —, alcançando a proeza de contornar a ridicularização e somente apontar sua fragilidade.

A Callas de Larraín parece flutuar, sempre a meio palmo do chão, misturando abatimento físico e a genuína aura dos mitos. O diretor leva quem assiste a um passeio pelos tempos de glória da soprano, interpretando “Ave Maria”, ária do “Otello” (1887), de Giuseppe Verdi (1813-1901), como se a diva quisesse oferecer ao público um resumo grandiloquente de sua passagem pela Terra. Angelina Jolie canta junto com Maria — embora não seja sua a voz que nos chega, mas a de Callas —, esticando bem o pescoço delgado e esboçando um outro sestro com os braços finos, e a sincronização labial incomoda um pouco no começo, esse detalhe miúdo perde-se na imensidão da diva, capaz de atingir as mais notas sem ao menos piscar, como se estivesse apenas exercitando sua real e sublime natureza.

A dimensão etérea de Callas cede espaço a sua configuração telúrica no momento em que a estrela é retratada refém de empregados afetuosos em seu palacete suspenso na Paris de 1977. Ela precisa da opinião sincera de alguém em quem confie a respeito da qualidade de seu canto; o privilégio cabe a Bruna, a governanta vivida por Alba Rohrwacher que, como a patroa, é a melhor no que faz (no caso, omeletes). A voz de Callas inunda o apartamento e a cena avança, captando Ferruccio, o leal mordomo encarnado por Pierfrancesco Favino, movendo um piano ao passo que tenta resistir a mais um ataque de lombalgia.

Lamentavelmente, para por aí a essência doméstica e ingênua da vida de Callas pós-fama, e Larraín encontra uma maneira engenhosa — e ofensiva para alguns — de o explicitar ao lançar mão de Mandrax, o onipresente jornalista que sonda Maria onde quer que ela esteja. Essa figura pictórica, recreativa, obviamente uma alusão ao principal ingrediente do coquetel de remédios que a soprano ingeria por conta própria, não se contenta com o terreno da alucinação e a acompanha em caminhadas pela Place du Palais Royal ou pelos restaurantes onde ainda costuma ir não para comer, mas para ser adorada.

Larraín recorre a expedientes como esse para citar o glamour que sempre envolvera o nome Maria Callas, e Kodi Smit-McPhee sai-se melhor que a encomenda na pele desse banshee, dessa alma penada de mau agouro, epíteto que também cai como uma luva para o Onassis de Haluk Bilginer, de quem não pôde livrar-se nem depois da separação traumática e do casamento do magnata greco-argentino com Jacqueline Kennedy (1929-1994). Ao fim dos 123 minutos de “Maria”, a impressão que fica é que Callas era um desses espíritos elevados, que não fecham a porta do passado, como implora-lhe a irmã, Yakinthi Callas (1917–1996) de Valeria Golino, numa das cenas mais tocantes do longa, e reuniam à felicidade para que os outros tenham direito ao sonho. Tudo quanto se espera das Divas como ela.

Filme: Maria
Diretor: Pablo Larraín
Ano: 2024
Gênero: Biografia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.