Proibido para cardíacos: thriller de terror psicológico que acaba de chegar à Netflix vai te deixar perturbado Divulgação / Netflix

Proibido para cardíacos: thriller de terror psicológico que acaba de chegar à Netflix vai te deixar perturbado

O que começa como um estudo meticuloso sobre dinâmicas familiares e tensões de classe logo se desdobra em uma narrativa implacável sobre poder, privilégio e ruína. “Delicious” estabelece sua atmosfera de desconforto desde os primeiros instantes, acompanhando uma família alemã em férias no sul da França, alheia à agitação social que permeia o país. Cercados por manifestações anti-austeridade, os protagonistas se deslocam em seu carro de luxo, distantes dos ecos de um mundo que prefeririam ignorar. Como de costume, instalam-se em um requintado château e seguem para um jantar em um hotel cinco estrelas, um ritual de ostentação que se repete a cada verão. Contudo, um detalhe aparentemente insignificante altera o curso dos acontecimentos: sua chegada é notada por membros do serviço, um prenúncio sutil do que está por vir.

A tranquilidade se esfacela quando John (Fahri Yarim), o patriarca, alcoolizado, atropela uma jovem na estrada. Para o espectador, a encenação é evidente; para a família, no entanto, trata-se de um acidente imprevisível. Em um gesto de contenção, Esther (Valerie Pachner), a esposa, decide levar a vítima, Teodora (Carla Diaz), para casa e prestar-lhe os primeiros socorros. O que deveria ser um incidente pontual se complica na manhã seguinte, quando um acordo financeiro parece solucionar a situação, mas Teodora retorna inesperadamente, afirmando ter perdido o emprego e se oferecendo para trabalhar como empregada. A presença da jovem representa uma interrogação silenciosa, uma ameaça velada que John e Esther, relutantes, decidem aceitar.

A infiltração de Teodora na casa é meticulosa. Seu comportamento discreto esconde uma inteligência tática, uma compreensão intuitiva das fissuras que corroem a família por dentro. Philipp (Caspar Hoffmann) e Alba (Naila Schuberth), os filhos do casal, encontram na nova funcionária um tipo de presença que os pais nunca lhes ofereceram. Teodora é camaleônica: para cada membro da casa, assume um papel diferente, adaptando-se às carências que percebe. O jogo de manipulação se desenvolve com uma paciência meticulosa, conduzindo a família a uma implosão inevitável. A relação entre serviço e patroes, inicialmente calcada na distância e na soberba, se converte em um campo de batalha onde o privilégio se torna uma armadilha.

O que poderia permanecer no território do thriller psicológico se expande para algo muito mais audacioso. Pequenos indícios preparam o terreno para a revelação final, mas a execução do clímax choca pela crueza e pelo simbolismo implacável. Se “A Fita Branca”(2009) analisava como uma infância marcada pela repressão geraria a brutalidade do futuro, “Delicious” inverte a lógica e retrata uma juventude que, em vez de ser moldada por dogmas, opta por destruir sem a pretensão de reconstruir. O caos aqui não é um efeito colateral, mas um objetivo deliberado.

A crítica social do filme é cortante. O cinismo com que a família lida com a crise inicial — recorrendo primeiro ao dinheiro, depois à contratação — escancara a ilusão de que tudo pode ser resolvido com o poder aquisitivo. Esse mecanismo de negação se estende até o último momento, quando os protagonistas percebem, tarde demais, que assinaram sua própria sentença ao aceitar Teodora sob seu teto. O terror não é o da violência imediata, mas da angustiante percepção de que a ordem que acreditavam imutável já se dissolveu por completo.

A direção de Nele Mueller-Stofen traduz essa tensão com um rigor impressionante. A câmera acompanha os personagens com uma proximidade incômoda, enfatizando o enclausuramento progressivo da família. As atuações sustentam essa escalada de horror, tornando palpável tanto a segurança arrogante do início quanto a vulnerabilidade desesperada do final. Mesmo nos momentos em que o ritmo se alonga, a construção da atmosfera justifica cada cena, garantindo que o impacto final seja devastador.

“Delicious” se distancia dos clichês do gênero para entregar uma sátira feroz sobre a decadência moral de uma elite que se acredita inatingível. O horror não reside apenas nos eventos que se desdobram, mas na constatação incômoda de que, quando o privilégio cega, a queda não é apenas inevitável — é irremediável.

Filme: Delicious
Diretor: Nele Mueller-Stöfen
Ano: 2025
Gênero: Drama/Thriller
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★