Na Netflix: eleito um dos maiores filmes de ação da história, com impressionantes 660 milhões de espectadores desde seu lançamento Divulgação / Carolco Pictures

Na Netflix: eleito um dos maiores filmes de ação da história, com impressionantes 660 milhões de espectadores desde seu lançamento

Se há uma palavra que encapsula Sylvester Stallone, essa palavra é instinto. Nada em sua trajetória foi resultado de um planejamento frio e calculado, mas sim da habilidade de seguir a intuição com uma obstinação quase visceral. Stallone não apenas encontrou seu espaço no cinema: ele moldou seu próprio caminho, entendeu os códigos do entretenimento popular e os subverteu com uma singularidade que poucos conseguem replicar. Não se trata de sorte ou oportunismo, mas de um olhar afiado para o que ressoa com o grande público, sem perder de vista sua identidade. Poucos em Hollywood dominam tão bem a gramática do cinema comercial e, ao mesmo tempo, carregam a coragem de injetar um senso autêutico de identidade em tudo o que fazem. O estrelato de Stallone é resultado de um entendimento instintivo e meticuloso do que move as massas.

Em “Rambo — Programado Para Matar”, Stallone reforça essa noção ao incorporar um soldado que, depois de atravessar os horrores do Vietnã, busca apenas existir sem ser perseguido pelo passado. Mas a paz lhe é negada. Os Estados Unidos do pós-guerra, que deveriam acolhê-lo, o tratam como uma anomalia. O personagem John Rambo se torna a síntese de uma geração desajustada, rejeitada pela própria terra que juraram defender. Ao adaptar o romance de David Morrell, o roteiro de Michael Kozoll e William Sackheim oferece um retrato amargo dessa realidade, e Ted Kotcheff conduz a narrativa com um senso de urgência que confere ao filme uma atmosfera quase sufocante. O que se desenrola é um embate entre um indivíduo marcado pela guerra e uma sociedade que se recusa a reconhecê-lo como parte dela.

O que deveria ser apenas mais um dia se transforma em uma caçada impiedosa quando Rambo, vagando sem rumo pelo interior dos Estados Unidos, cruza o caminho do xerife Will Teasle. O encontro é seco, sem espaço para diálogo ou compreensão. Teasle, movido por uma hostilidade latente, tenta reduzir Rambo a um incômodo passageiro. Mas o ex-soldado, marcado pela sobrevivência em território hostil, não aceita ser varrido para debaixo do tapete. A tensão entre os dois cresce em um duelo não declarado, um choque entre um homem que deseja esquecer o passado e outro que encarna a intolerância daqueles que nunca pisaram em um campo de batalha. No fundo, é uma luta entre um instinto de preservação e um senso equivocado de autoridade.

A perseguição que se segue ganha um terceiro elemento com a chegada do coronel Samuel Trautman, interpretado por Richard Crenna. Se Teasle representa a sociedade que quer apagar os traumas da guerra, Trautman é o único que enxerga a verdadeira dimensão do que está acontecendo. Ele não está ali para salvar Rambo da justiça, mas para salvar os que estão tentando capturá-lo de um destino potencialmente fatal. Porque a grande ironia é essa: o homem que é caçado como um pária é, na realidade, a criatura mais perigosa em cena, um combatente treinado para ser uma máquina letal quando acuado. E, ao invadir a floresta, o soldado deslocado encontra um terreno familiar, um espaço onde pode virar o jogo.

A trama, que poderia se render à simplicidade de um embate entre herói e antagonista, ganha camadas ao sugerir que não há resposta fácil. O próprio filme parece se debater entre a empatia por Rambo e a consciência de que sua fúria precisa ser contida. O público se vê dividido: torcer por ele é inevitável, mas também é inegável que sua ação precisa de um limite. E, nesse dilema, a produção encontra seu ponto de maior força, capturando a tensão de uma nação que ainda digeria suas próprias cicatrizes.

A existência de um homem pode ser reduzida à maneira como ele reage quando não lhe restam escolhas. Rambo é isso: um reflexo brutal de um mundo que não sabe o que fazer com aqueles que voltam da guerra. E Stallone, mais do que apenas interpretar esse homem, o incorpora com uma presença que desafia qualquer um a desconsiderá-lo. Porque no cinema, como na vida, às vezes tudo o que um indivíduo precisa para se provar é uma faca, uma vontade inquebrantável e um instinto afiado o suficiente para transformar o caos em sobrevivência.

Filme: Rambo — Programado Para Matar
Diretor: Ted Kotcheff
Ano: 1981
Gênero: Ação/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★