Quando o remake fica melhor que o original: minissérie com Jessica Chastain e Oscar Isaac na Max é tesouro cinematográfico Divulgação / Fifth Season

Quando o remake fica melhor que o original: minissérie com Jessica Chastain e Oscar Isaac na Max é tesouro cinematográfico

A reinterpretação contemporânea de “Cenas de um Casamento”, promovida pela HBO sob a direção de Hagai Levi, revisita a icônica minissérie de Ingmar Bergman com uma abordagem que, ao mesmo tempo em que preserva a essência da narrativa original, moderniza suas dinâmicas e provoca reflexões inéditas. Ao inverter os papéis tradicionais e colocar a personagem feminina no centro do conflito conjugal, Levi não apenas reconfigura a perspectiva da história, mas também amplifica a complexidade emocional da trama. Mira, interpretada por Jessica Chastain, emerge como uma figura intrigante, distante do estereótipo da esposa traída e resignada. Sua posição como executiva de sucesso e a sua decisão de abandonar o casamento a colocam numa posição que raramente é explorada com profundidade na ficção audiovisual: a da mulher que parte e também sofre as consequências dessa escolha.

O realismo da narrativa se impõe como um de seus maiores trunfos. A intimidade claustrofóbica dos cenários, em especial a casa do casal, torna-se um espaço onde o tempo se dilata e os sentimentos se tornam palpáveis. Oscar Isaac encarna Jonathan, um professor universitário que, ao contrário da frieza metódica de Mira, transborda vulnerabilidade e ternura. Seu desempenho não apenas adiciona camadas à dinâmica do casal, mas também estabelece um contraponto fascinante ao distanciamento emocional da esposa. A atuação da dupla é digna de reconhecimento, criando momentos de pura verdade cênica, onde cada pausa e olhar dizem tanto quanto os diálogos. As cenas de discussão e reconciliação transitam entre o desespero e a delicadeza, proporcionando um retrato desconcertante das complexidades do amor e da dor da separação.

Se a obra de Bergman refletia as angústias matrimoniais dentro de um contexto de libertação feminina nos anos 1970, a nova versão de “Cenas de um Casamento” propõe uma leitura que dialoga com os desafios contemporâneos das relações. Os papéis de gênero não são mais tão rigidamente definidos, e a vulnerabilidade masculina ganha mais espaço, ao passo que a culpa e as expectativas que recaem sobre a mulher também se transformam. Ainda assim, a modernização não está isenta de críticas. Se por um lado, o novo olhar proporciona uma dinamização necessária à história, por outro, o roteiro parece não aproveitar integralmente as nuances psicológicas que tornaram a versão original tão inesquecível. A personagem de Mira, por exemplo, é frequentemente retratada de maneira distante e pouco empática, o que pode dificultar a identificação do público com sua jornada.

O que diferencia esta adaptação é sua capacidade de captar a crudeza das emoções humanas sem recorrer a melodramas excessivos. Não há trilha sonora grandiosa para conduzir os sentimentos do espectador; o impacto vem das palavras e da expressividade contida nos silêncio. A direção de Levi opta por uma abordagem teatral, permitindo que as cenas se desenrolem como se estivéssemos assistindo a uma peça de teatro intimista. O resultado é uma experiência imersiva, onde a dor e o afeto se entrelaçam de forma autêntica e devastadora.

“Cenas de um Casamento” é um estudo profundo sobre os laços que unem e desmoronam, sobre o desejo de pertencer e a necessidade de partir. É uma produção que desafia o espectador a confrontar suas próprias concepções sobre o amor, o compromisso e o inevitável desgaste do tempo. Se a versão de Bergman já era um espelho das relações de sua época, a nova adaptação se firma como um retrato igualmente incômodo e fascinante das relações modernas, provando que algumas dores, independentemente da década, continuam universais.

Filme: Cenas de um Casamento
Diretor: Hagai Levi
Ano: 2021
Gênero: Drama/Romance
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★