Desconstrua seus sonhos

Desconstrua seus sonhos

Venda o carro. Vá a pé até a próxima venda e compre frutas da estação. E faça de um limão uma rima ou nada. Aquele nado-de-cachorrinho no ribeirão fresco da sua meninice. Sem querer, acabei acometido por insights ligeiramente avacalhados. Afrescalhe-se. Vista uma calça vermelha. Compre um livro de poesia. Mova-se, mas, acima de tudo, comova-se com o belo e indigne-se com as injustiças. Desconstrua seus sonhos, sem dar muito na vista. Alegria sustentável dura pouco. Uma eternidade quando muito. Uma raridade quase sempre. Esqueça as senhas bancárias. Dome a sanha perdulária do consumismo. Reconecte-se, no entanto, ao peculiar espírito dos secos & molhados onde nada é veloz. A água de parede. O fumo de rolo. A resenha demorada. Meia dúzia de bananas embaladas em papel jornal. O troco aceito em balas. As belas panturrilhas da balconista que calça sandálias havaianas. Esqueça o Havaí. O passado de glórias. O ménage à trois. A Torre Eiffel. A lua de mel nas Ilhas Canárias. Se liga no casal de canários que fez um ninho justamente na sanca da sua casa. É muita sorte ter sido escolhido pelos passarinhos. Caso queira se casar, case-se. E compre uma bicicleta para passear com o seu amor sentado no guidão. Dê uma guinada na sofreguidão de desperdiçar tanto tempo se mantendo hiperconectado. A internet é rápida, a vida é curta e há um lento desalento que culmina em solidão. Gotas de chuva continuam a cair nos nossos rostos, entretanto, dentre tantos, há quem insista que sejam lágrimas. Ninguém sabe nada. Ninguém é dono de nada, a não ser das próprias escolhas. O meu maior patrimônio material é um velho estojo de memórias agastadas pela maturidade. Já me sinto — e até falo — como se fora um poeta, uma espécie de pessoa, um solitário frequentador de tabacarias que jamais tragou sequer um cigarro e, mesmo assim, se considera no direito de aconselhar desconhecidos. Agarre-se aos arroubos de simplicidade. Um rio que lambe pedras. Uma estrada que leva a destino desconhecido. Brindes sob o sol poente. Gente simples a conversar fiado. Desconstrua seus sonhos sofisticados. Caia fora do consórcio. Deixe em paz as suas tetas. Faça um checape. Mais ame do que desame. Quem sou eu para dar conselhos, senão um poeta de recursos limitados. Venda o carro. Compre uma bicicleta. Vá a pé. Me chame. Se for para desandar as coisas, que seja com alguém que me ame.

Eberth Vêncio

Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 59 anos. Escreve para a “Revista Bula” há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente “Bipolar”, uma antologia de contos e crônicas.