O filme que todas as pessoas deveriam assistir para deixar a alma mais leve acaba de chegar ao Prime Video Divulgação / United Artists

O filme que todas as pessoas deveriam assistir para deixar a alma mais leve acaba de chegar ao Prime Video

A  nazismo era uma ameaça bem distante, quiçá vesana, quando se passa “Um Violinista no Telhado” — sinal de que é apenas uma questão de tempo para que qualquer coisa de tétrico venha da humanidade. O enredo, sobre um camponês judeu que vive com sua esposa e filhos, incluindo três moças em idade de casar, na fictícia aldeia judaica de Anatevka, na Rússia Rússia pré-Revolução Bolchevique, em 1917, constitui um dos textos mais famosos do Ocidente, e não é para menos. Baseado na peça “Tevye, o Leiteiro” (1894), do ucraniano Sholom Aleichem (1859-1916), antes de virar filme “Um Violinista no Telhado” foi levado aos palcos como musical em dois atos pelo compositor americano Jerry Bock (1928-2010), com letra de Sheldon Harnick (1924-2023) e libreto de Joseph Stein  (1912-2010), mas como sói acontecer, dada a força do registro cinematográfico, foi na tela grande que a história ganhou corpo e identidade, a ponto de eternizar-se e ser lembrada com ternura, meio século após a estreia, em 3 de novembro de 1971. Norman Jewison (1926-2024) capta a essência do trabalho daqueles que o  antecederam, sem deixar de imprimir a sua personalidade, legando ao público uma reflexão leve a respeito de temas complexos.

“Um Violinista” demora a engatar. Antes que a trama comece a fornecer alguma pista quanto ao que vai se dar, Tevye entoa uma canção sobre a resiliência do povo judeu, expressa na metáfora que fala do tal violinista, encarnado por Tutte Lemkow (1918-1991), no alto de uma casa. Claro, é muito difícil tocar com destreza nessas condições, e, por outro lado, é precisamente assim que ele dobra o cansaço e aperfeiçoa sua técnica, enquanto no chão duro da realidade, Tevye é obrigado a lidar com questões espinhosas.

A tradição, um valor sobrevalorizado pelo humilde leiteiro, vai-se esfacelando a olhos vistos — e em sua própria família. O roteiro de Arnold Perl (1914-1971) tira todo o proveito que pode da figura maciça de Topol (1935-2023), presente do início ao fim, incluindo também Golde, a esposa submissa, mas esperta, interpretada por Norma Crane (1928-1973). É ela quem trata a seu modo do futuro de Tzeitel, Hodel e Chavatel, a Chava, sem levar em conta as recomendações de Yente, a casamenteira vivida por Molly Picon (1898-1992). O efeito prático de tanta condescendência faz-se conhecer não muito depois, uma frustração que Tevye terá de digerir sozinho.

Tzeitel, a mais velha, casa-se com Motel, um alfaiate pobre, mas tão ambicioso a ponto de conseguir comprar uma máquina de costura e garantir uma polpuda renda extra para sua nova esposa e os filhos que ela vai lhe dando; Hodel vê em Perchik, um marxista convicto, o homem dos seus sonhos; e a caçula Chava comete a blasfêmia que garante bons lances de tensão ao unir-se a Fyedka, um goy cristão ortodoxo. O estoicamente sensato Tevye até pensa que se fosse um homem de posses seria capaz de contornar a rebeldia filial, e manifesta essas suas digressões em “If I Were a Rich Man” (1967), um número de providencial suavidade, conduzido por Topol no estábulo. Num golpe preciso, o protagonista marca uma óbvia divisão do que é contado, e “Um Violinista” passa à agonia do leiteiro e dos outros aldeães frente à chegada de intendentes do czar, que tenta manter-se no trono enviando as comunidades judaicas para guetos na Sibéria. Os que resistiam, a exemplo de Tevye, podiam tentar a sorte em Chicago ou Nova York, uma vez que o Estado de Israel só seria fundado meio século mais tarde, em 14 de maio de 1948.

“Um Violinista no Telhado” equilibra-se entre o drama e a comédia uma maneira cartesiana, o que agrada a uns e entedia outros. Entretanto, não é possível ignorar o vigor das atuações, encabeçadas, sim, por Topol, mas que acham em Crane e no trio de filhas insurgentes de Rosalind Harris, Michele Marsh e Neva Small um eixo autônomo, o filme dentro do filme. Sem dar por isso, a audiência ri e chora torcendo por aquelas mulheres apaixonadas e receando por seu porvir, que revelou-se efetivamente sombrio. Nessa hora, até o músico mais habilidoso desafina.

Filme: Um Violinista no Telhado
Diretor: Norman Jewison
Ano: 1971
Gênero: Drama/Mistério
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.