Ficção científica das irmãs Wachowski, com Tom Hanks, é obra genial de graça no Mercado Play Divulgação / Cloud Atlas Productions

Ficção científica das irmãs Wachowski, com Tom Hanks, é obra genial de graça no Mercado Play

“Cloud Atlas” ou “A Viagem”, com sua duração quase épica de três horas e uma estrutura narrativa que desafia o comum, é uma das produções cinematográficas mais audaciosas e intrigantes dos últimos tempos. Ambientado em seis histórias distintas que atravessam séculos e continentes, o filme cria um panorama abrangente que mistura ficção científica, drama histórico, romance, comédia e temas filosóficos. No entanto, o que realmente distingue essa obra é a ousada forma como esses fragmentos narrativos se entrelaçam de maneira fluida e interligada, criando uma tapeçaria cinematográfica complexa e multifacetada que não apenas desafia a linearidade, mas questiona a própria natureza da conexão humana e da eternidade.

Ao longo de sua jornada, o filme alterna entre tempos passados, presentes e futuros distópicos, levando o espectador por uma verdadeira montanha-russa de emoções, onde cada corte de uma cena para outra é executado com precisão e propósito. A edição de “Cloud Atlas” é um feito notável, e sua habilidade em saltar entre esses universos diferentes sem perder o ritmo e sem confundir o espectador revela uma maestria raramente vista no cinema contemporâneo. A obra exige paciência, pois não é um filme que se entrega facilmente; ao contrário, é uma construção que exige uma mente aberta, pronta para aceitar a complexidade da narrativa e a multiplicidade de suas camadas.

A escolha por entrelaçar essas histórias, sem seguir uma linha temporal linear, não é meramente uma opção estética ou estilística. É, antes, uma tentativa de refletir sobre a interconexão das vidas e ações humanas, mostrando como nossas escolhas reverberam através do tempo e do espaço, transcendendo as limitações físicas e temporais da existência. A luta pela liberdade e pelo amor, por exemplo, se manifesta de formas distintas nas várias narrativas, mas sempre com um fio condutor que conecta todos os personagens. Seja no romance proibido entre o compositor Robert Frobisher e o homem chamado Sixsmith, ou na luta pela liberdade de uma mulher no futuro, esses temas universais se entrelaçam, oferecendo uma visão da humanidade que é, ao mesmo tempo, única e universal.

A performance dos atores em “Cloud Atlas” também não pode passar despercebida. Cada membro do elenco se vê desafiado a interpretar múltiplos papéis, muitas vezes com uma impressionante transformação de gênero e etnia. Esse esforço não é apenas uma demonstração de versatilidade, mas uma maneira de reforçar a ideia de que todos somos, de alguma forma, as mesmas pessoas, repetindo os mesmos erros e acertos ao longo das gerações. Tom Hanks, por exemplo, se destaca ao interpretar uma série de personagens que transitam entre o herói e o vilão, o bom e o mau, mostrando um alcance impressionante em sua atuação. No entanto, são Jim Broadbent e Doona Bae que realmente brilham. Broadbent, com sua mistura de humor e sofrimento, dá profundidade ao personagem Cavendish, enquanto Bae, com sua atuação silenciosa, transmite uma luta interna pela autossuficiência e liberdade que é ao mesmo tempo comovente e poderosa.

“Cloud Atlas” é uma verdadeira obra de arte. Desde os cenários do século 19 até as distopias futurísticas, a estética do filme é impressionante. O design de produção, a maquiagem e a trilha sonora se complementam perfeitamente, criando uma atmosfera única que, ao mesmo tempo, captura a essência das épocas retratadas e mergulha o espectador em um mundo de ficção científica visualmente rico. Mesmo em momentos em que a maquiagem pode parecer um tanto inconsistente, como na tentativa de transformar Doona Bae em uma mulher caucasiana, a qualidade geral da produção visual compensa qualquer falha menor, mergulhando o público em um universo de sensações visuais impactantes.

Porém, sua estrutura não-linear e a densidade de suas camadas narrativas podem, sem dúvida, deixar muitos espectadores desconcertados. As múltiplas histórias podem parecer excessivamente complicadas para quem busca uma experiência cinematográfica mais simples e direta. Alguns críticos chegaram a sugerir que as narrativas do filme poderiam ser mais bem exploradas em histórias separadas, algo que é certamente compreensível, dada a riqueza de cada uma delas.

Entretanto, “Cloud Atlas” não é um filme que se destina a agradar a todos. Sua proposta é muito mais profunda, buscando desafiar a visão tradicional do que um filme pode ser e como uma história pode ser contada. É uma obra que exige do espectador não apenas paciência, mas também disposição para entrar em um terreno onde o esperado é constantemente subvertido. Mesmo em sua confusão aparente, o filme é uma reflexão poderosa sobre a natureza da conexão, do amor e da luta pela liberdade.

“Cloud Atlas” é uma experiência cinematográfica verdadeiramente única, um exercício de ousadia e profundidade que desafia as convenções da narrativa cinematográfica. Mesmo que seus elementos possam ser considerados excessivamente complexos ou confusos, a obra transcende esses desafios, oferecendo um panorama deslumbrante da interconexão humana ao longo do tempo. 

Filme: Cloud Atlas
Diretor: Tom Tykwer, Lana Wachowski e Lilly Wachowski
Ano: 2012
Gênero: Aventura/Drama/Ficção Científica/Mistério
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★