“Ninguém nasce mau. Como tudo na vida, isso requer prática.” Essa declaração, ao mesmo tempo irônica e provocadora, serve como ponto de partida para uma discussão mais ampla sobre a criminalidade e seus contornos morais. Expressa logo no início de “Bandido”, thriller estrelado por Josh Duhamel e Mel Gibson, a frase antecipa a abordagem peculiar do filme sobre a vida de um criminoso que levou sua arte a um patamar inesperado.
Baseado em eventos verídicos que desafiam a lógica, o longa acompanha a jornada de Robert (Josh Duhamel), um homem cuja impressionante carreira no mundo do crime soma 59 assaltos a bancos no Canadá, todos conduzidos sem recorrer à violência. Mais surpreendente ainda é o fato de que essa sequência extraordinária de delitos aconteceu de verdade — mesmo que pareça uma fábula cinematográfica.
Robert, na realidade, é um nome falso, adotado após uma fuga engenhosa de uma prisão nos Estados Unidos. Em 1985, ele cruza a fronteira ilegalmente e se reinventa no Canadá, assumindo a identidade de um sem-teto local. A crise econômica que assolava os EUA durante o governo Reagan serve como pano de fundo para sua transição e amplifica as implicações de seus crimes, revelando a vulnerabilidade do sistema bancário canadense.
Sua método, por si só, já seria suficiente para torná-lo uma lenda. Munido de carisma, disfarces e uma intuição afiada, ele evitava armas reais e transformava cada assalto em um ato meticulosamente encenado. Josh Duhamel assume o papel com um equilíbrio notável entre charme e desfaçatez, tornando crível a dualidade de um homem que, ao mesmo tempo em que burla o sistema, conquista a simpatia do espectador. Sua dinâmica com Mel Gibson — que vive Tommy, um criminoso veterano e financista de suas operações — adiciona camadas ao filme, combinando humor afiado com cumplicidade intrigante.
Apesar de já ter marcado presença em produções de grande alcance como “Transformers” e contracenado com Jennifer Lopez em “Casamento Armado”, Duhamel encontra aqui um papel que lhe permite explorar nuances raramente vistas em sua carreira. Um dos trunfos da narrativa é a quebra da quarta parede, recurso que o protagonista utiliza para estabelecer uma conexão direta com o público, em um estilo reminiscentemente comparável ao de “Fleabag”, de Phoebe Waller-Bridge.
Sob a direção precisa do canadense Allan Ungar (“Gridlocked”), o filme ganha ritmo e identidade próprios, embalado por clássicos do rock canadense dos anos 80, como “Raise a Little Hell”, do Trooper, e “Making It Work”, do Doug and the Slugs. A escolha musical reforça a autenticidade da produção e a insere na linhagem de filmes sobre golpistas charmosos, como “The Grey Fox” (1982) e “Edwin Boyd: A Lenda do Crime”, ambos centrados em personagens que flertam com a criminalidade de maneira magnética.
O humor sutil e a abordagem quase surreal de alguns eventos reais conferem ao filme um tom diferenciado. Um exemplo marcante ocorre quando Robert, durante um assalto, recebe uma crítica inusitada da funcionária do banco: em vez de expressar medo, ela apenas reclama da caligrafia ruim em seu bilhete de assalto e lhe deseja um bom dia. São esses pequenos detalhes que garantem frescor à narrativa e elevam a história a um patamar singular dentro do gênero.
No cerne de “Bandido” está uma reflexão envolvente sobre os limites entre simpatia e transgressão, entre a rotina comum e a escolha pelo risco constante. Por mais que sua inteligência e charme o mantenham um passo à frente, Robert sabe que seu talento para o crime não pode driblar o inevitável para sempre. E talvez seja justamente essa contagem regressiva silenciosa que torna sua história tão irresistível.
★★★★★★★★★★