A velocidade da inovação tecnológica redefine constantemente as regras do jogo profissional, transformando carreiras inteiras em peças descartáveis diante da ascensão de novas demandas. “Os Estagiários”, dirigido por Shawn Levy e estrelado por Vince Vaughn e Owen Wilson, encapsula esse fenômeno ao narrar a trajetória de dois vendedores de relógios que, ao perderem seus empregos, descobrem que seu conjunto de habilidades se tornou obsoleto. A solução encontrada por Billy e Nick, seus personagens, é uma aposta improvável: candidatar-se a um estágio no Google, o epicentro da cultura corporativa moderna, onde se veem cercados por jovens cuja relação com a tecnologia é instintiva. O filme, sob a aparência de uma comédia leve, utiliza essa premissa para abordar o medo da irrelevância e a luta para se manter profissionalmente relevante em um mundo onde a juventude e a familiaridade com a tecnologia parecem ser os únicos requisitos essenciais.
A forma como o Google é retratado em “Os Estagiários” alterna entre um paraíso utópico e uma sátira sutil. A empresa surge como um ambiente onde o trabalho se confunde com lazer: funcionários deslizam entre os andares em um escorregador, fazem pausas em cápsulas para cochilos e desfrutam de comida gratuita no refeitório. Contudo, por trás dessa fachada lúdica, existe uma estrutura altamente seletiva e competitiva, onde os estagiários são submetidos a desafios constantes para provar seu valor. Billy e Nick, acostumados a uma realidade onde o carisma e a persuasão eram ferramentas de trabalho indispensáveis, encontram um ambiente em que sua experiência não tem valor algum. A cena em que tentam apresentar uma ideia de aplicativo, acreditando que a foto tirada no celular deve ser colocada “na linha”, simboliza perfeitamente a desconexão entre sua mentalidade analógica e a fluidez digital dos novos tempos.
A principal força do filme reside no choque de gerações, que se desenrola não apenas por meio das dificuldades dos protagonistas com a tecnologia, mas também na relação tensa com os outros estagiários. Seus colegas mais jovens, inicialmente indiferentes, representam arquétipos da nova geração: Yo Yo, pressionado pela família a ser impecável, transforma sua ansiedade em uma compulsão por arrancar as sobrancelhas; Neha, que projeta uma imagem de confiança e ousadia, esconde o fato de que sua experiência de vida é mais fantasia do que realidade; Stewart, sempre imerso no celular, reflete a apatia de uma juventude cética quanto ao futuro. O filme estrutura-se como uma troca mútua entre os personagens, onde Billy e Nick aprendem a lidar com a nova realidade digital, enquanto seus colegas mais jovens descobrem que habilidades interpessoais e inteligência emocional ainda são indispensáveis.
Em meio a esse embate, “Os Estagiários” constrói uma comédia que vai além das piadas fáceis sobre envelhecimento. A cena do jogo de quadribol — filmada como se fosse uma final de Copa do Mundo — sintetiza essa dualidade: o discurso motivacional ridículo de Billy, sobre uma “pequena soldadora” que queria ser bailarina, é simultaneamente cômico e inspirador. A equipe, que antes o desprezava, passa a se unir, e a narrativa se transforma de uma disputa geracional para um exercício de adaptação e aprendizado mútuo. O humor do filme não está apenas em ridicularizar os protagonistas, mas em evidenciar como a obsessão por métricas e produtividade pode desumanizar até os mais competentes.
Se fosse apenas uma história sobre o confronto entre o velho e o novo, “Os Estagiários” seria uma comédia superficial. Mas o filme se destaca ao abordar a resiliência como um processo contínuo de adaptação. Billy, sempre acostumado a conquistar tudo com seu carisma, percebe que charme não é mais suficiente para garantir seu lugar. Nick, que sempre seguiu os passos do amigo, finalmente assume o controle de sua própria trajetória. A transformação dos personagens vai além da inserção no mundo digital; trata-se de aceitar que o tempo passa e que sobreviver profissionalmente exige mais do que apenas conhecimento técnico.
A crítica ao modelo corporativo do Google também está presente, ainda que de forma sutil. A empresa, vendida como um ambiente inovador e descolado, esconde uma lógica implacável de competição onde apenas alguns são escolhidos. Billy e Nick lutam por um emprego que, no fundo, é apenas uma posição de nível básico em uma estrutura que preza pela eficiência acima de tudo. O filme não responde diretamente se essa nova dinâmica do mercado é um avanço ou um problema, mas levanta uma questão essencial: a valorização de um profissional não deveria ser medida apenas por sua capacidade de se adaptar a novas ferramentas, mas também pela experiência e habilidades interpessoais que ele traz consigo.
O desfecho de “Os Estagiários” reforça essa ideia. Embora a reta final do filme dramatize artificialmente a competição pelo estágio, o que realmente importa não é quem vence, mas a jornada de cada personagem. Vaughn e Wilson entregam performances que vão além da comédia, adicionando nuances emocionais à história. Billy, que antes se via como um homem capaz de persuadir qualquer pessoa, percebe que nem sempre será ouvido. Nick, que nunca precisou tomar decisões por conta própria, aprende que é possível se reinventar. O aprendizado deles transcende o universo do Google e ressoa com qualquer pessoa que já tenha enfrentado o temor da obsolescência.
Muitos podem ver “Os Estagiários” como uma tentativa de replicar a química entre Vaughn e Wilson em “Penetras Bons de Bico”, mas essa é uma leitura reducionista. Se no filme de 2005 a dupla agia como outsiders irreverentes, aqui eles são sobreviventes tentando provar que ainda têm algo a oferecer. A narrativa não é sobre ascensão profissional, mas sobre o medo de ser deixado para trás — um dilema que não se limita à comédia, mas que permeia o mercado de trabalho real.
O verdadeiro mérito de “Os Estagiários” está na sua capacidade de capturar essa inquietação de maneira acessível e divertida. Em um mundo onde a tecnologia redefine o que significa ser qualificado, quem nunca temeu ficar para trás? O filme, apesar de seu tom otimista, não ignora essa angústia, mas propõe uma resposta: a relevância profissional não está apenas em dominar a ferramenta mais recente, mas em manter a disposição de continuar aprendendo. E essa, talvez, seja a única habilidade que nunca se tornará obsoleta.
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