À medida que o tempo avança, fica cada vez mais evidente o peso artístico de Sergio Leone (1929-1989). O cineasta conseguiu extrair lirismo da paisagem inóspita e implacável do Velho Oeste, povoada por figuras endurecidas, confrontadas com dilemas morais quase insolúveis. Seus personagens transitam entre amores impossíveis, erguidos sobre barreiras culturais e sociais, e enfrentam a voracidade dos poderosos, que moldam a lei ao sabor de suas ambições financeiras.
Se há um filme em que Leone harmoniza com maestria a construção da tensão e a cadência do tempo, esse é “Era uma Vez no Oeste”. O desenrolar da narrativa nos confins da América de 1870 não se apressa; ao contrário, desenvolve-se com precisão meticulosa. Cada conflito é revelado com sutileza, fruto da parceria do diretor com os roteiristas Dario Argento e Sergio Donati (1933-2024), que embalam a trama em um crescendo de expectativas e reviravoltas.
Leone recorre a todos os artifícios disponíveis para amplificar a força estética de sua história. A trilha sonora de Ennio Morricone (1928-2020) pontua os instantes de iminente brutalidade e alívios cômicos ou sentimentais, criando um jogo de contrastes que mantém o espectador em constante apreensão. O enredo se desenrola entre promessas de vingança, disputas por terras, traições, ferrovias abarrotadas de sonhadores e a brutalidade dos revólveres. Todos esses elementos convergem de maneira inextricável no momento em que o filme transpõe seu primeiro ato e se encaminha para um segundo movimento, já enredado na condução meticulosa e imprevisível do diretor.
Jill, interpretada por Claudia Cardinale, é a peça que perturba a estabilidade do pequeno vilarejo perdido nos rincões de Utah. Brett McBain, vivido por Frank Wolff (1928-1971), decide tomá-la como esposa, e sua influência na cidade garante que ela seja aceita, não por valores morais, mas pelo peso econômico de sua nova posição. Tudo parece seguir o fluxo previsível da comunidade até que a viuvez a coloca no centro de uma disputa feroz, onde fazendeiros abastados e aventureiros tentam unir desejo e interesse em um único golpe.
Ainda que não fosse a protagonista planejada, Cardinale imprime força à narrativa, sua presença impulsiona os duelos entre Charles Bronson (1921-2003), que encarna o enigmático Homem da Gaita, e Henry Fonda (1905-1982), na pele do implacável Frank. O duelo final, encenado com uma intensidade que extrapola o convencional, consolida esse western como uma peça de ruptura dentro do gênero. Assim, o que Leone concebeu como um épico de faroeste transpôs a mera estilização e fincou raízes na história do cinema, desafiando convenções e se renovando a cada nova revisão.
★★★★★★★★★★