Um dos filmes mais esperados do último ano acaba de estrear no Prime Video e é a maior decepção de 2025 Divulgação / Lionsgate

Um dos filmes mais esperados do último ano acaba de estrear no Prime Video e é a maior decepção de 2025

Poucos universos ficcionais conseguiram traduzir de maneira tão inventiva a essência do caos quanto “Borderlands”, a franquia criada pela Gearbox Software e pela 2K Games. Desde seu nascimento, essa narrativa excêntrica encontrou força na combinação improvável de humor ácido, violência estilizada e uma estética visual que remete à energia acelerada e subversiva de “Mad Max: Estrada da Fúria”. Personagens emblemáticos como Tiny Tina, Claptrap e Handsome Jack habitam Pandora, um planeta cuja desolação é o terreno fértil para uma sátira contundente sobre o absurdo e a decadência. Porém, a versão cinematográfica dirigida por Eli Roth revela-se incapaz de captar esse equilíbrio frágil entre insanidade controlada e crítica social mordaz. Em vez disso, oferece ao público uma adaptação anêmica, que trai exatamente aquilo que deveria honrar.

Essa fragilidade conceitual fica evidente logo na introdução do filme. Ao invés de apresentar Tiny Tina em toda sua esplêndida insanidade — tão marcante no jogo original —, a personagem surge retratada por Ariana Greenblatt com uma passividade inexplicável. O que deveria ser o gatilho inicial para estabelecer o tom anárquico da obra transforma-se rapidamente em um retrato frustrante de desperdício criativo. Cate Blanchett, uma atriz cujo talento costuma superar até mesmo roteiros medianos, também não escapa do colapso narrativo, emprestando à personagem Lilith uma postura artificial, incapaz de elevar uma trama que mais parece imitação desbotada de figuras como Han Solo ou Star-Lord. Essa descaracterização revela não apenas limitações do elenco, mas também o fracasso completo da direção em orientar e sustentar suas escolhas criativas.

A crise narrativa de “Borderlands” aprofunda-se ainda mais quando analisamos o roteiro fragmentado, fruto das constantes interferências sofridas durante sua produção. Originalmente nas mãos do renomado Craig Mazin, que se consagrou com roteiros brilhantes como “Chernobyl” e “The Last of Us”, o script acabou desfigurado após várias revisões, resultando numa estrutura incoerente e cheia de cortes abruptos. Roth, que no passado revelou-se hábil na exploração do grotesco em produções como “Thanksgiving” e “O Mistério do Relógio na Parede”, demonstra uma surpreendente inabilidade ao conduzir sequências de ação, exatamente aquelas que deveriam ser o ponto alto de qualquer adaptação de um game centrado em tiroteios intensos e adrenalina ininterrupta. Sob sua direção, tais cenas perdem não apenas clareza visual, mas também o mínimo sentido dramático que poderia envolver emocionalmente o espectador.

A incapacidade do filme em compreender e explorar visualmente o potencial vibrante e caótico do planeta Pandora é outro ponto crucial desse fracasso. Em vez de construir uma estética que refletisse fielmente o caos subversivo e o humor corrosivo dos jogos, o filme se limita a reproduzir uma colagem visual pálida e genérica, que lembra as produções esquecíveis da década passada, quando adaptações cinematográficas de videogames eram vistas apenas como empreitadas comerciais oportunistas. Assim, Roth perde a chance de criar algo verdadeiramente memorável, optando pela mediocridade em detrimento do risco criativo. As tentativas claras de suavizar a violência e o tom provocativo das piadas reforçam a sensação de que o filme foi mutilado pela necessidade de torná-lo palatável para um público amplo, comprometendo definitivamente sua integridade artística.

Em meio a essa crise generalizada, Jack Black surge como um raro acerto na interpretação do robô Claptrap. Sua atuação captura momentaneamente o espírito subversivo e irônico do jogo original, proporcionando curtos instantes em que o espectador consegue vislumbrar o potencial desperdiçado da produção. Contudo, essa faísca é rapidamente sufocada pelo contexto ao redor, em especial pela tardia e inexplicável aparição de Jamie Lee Curtis, cuja presença apenas reforça a sensação de desorientação narrativa e desespero comercial que permeia todo o projeto.

A dimensão mais significativa desse fracasso talvez esteja justamente quando ele ocorre: em uma época em que adaptações cinematográficas de jogos começaram a desfrutar de respeitabilidade artística e sucesso comercial genuínos. Obras recentes como “The Last of Us” e “Super Mario Bros: O Filme” redefiniram positivamente as expectativas sobre esse gênero, estabelecendo um novo padrão de qualidade narrativa e estética. Nesse cenário, o desastre representado por “Borderlands” funciona como um alerta crítico e necessário sobre os perigos da superficialidade e do oportunismo artístico, lembrando que o sucesso dessas adaptações depende não só do reconhecimento das franquias originais, mas, acima de tudo, da fidelidade a suas essências narrativas.

Tal reflexão levanta uma questão final inevitável e poderosa: até que ponto Hollywood conseguirá explorar os universos narrativos dos jogos eletrônicos sem destruí-los em nome de um sucesso comercial efêmero? Ao abandonar sua essência original, o filme não apenas fracassa em honrar os fãs e a obra que o inspirou, mas também oferece um alerta contundente sobre o risco que paira sobre tantas outras adaptações futuras. Esse alerta é, acima de tudo, um convite ao espectador para avaliar criticamente o valor e o destino das narrativas que tanto aprecia: algumas histórias talvez sejam valiosas demais para serem banalizadas pela máquina do cinema comercial, merecendo permanecer intactas, protegidas no meio que originalmente as consagrou.

Filme: Borderlands
Diretor: Eli Roth
Ano: 2024
Gênero: Ação/Aventura/Comédia/Ficção Científica/Thriller
Avaliação: 5/10 1 1
★★★★★★★★★★