Último fim de semana na Netflix: o filme tão bonito e deslumbrante quanto um pôr do sol inesquecível Divulgação / Universal Pictures

Último fim de semana na Netflix: o filme tão bonito e deslumbrante quanto um pôr do sol inesquecível

Desde sua estreia em 2010, a série britânica “Downton Abbey” destacou-se por sua sofisticação narrativa, criando um retrato delicado e detalhado das relações entre aristocratas e seus empregados na Inglaterra do início do século 20. Durante seis temporadas e 52 episódios, o drama produzido pela ITV conquistou um público cativo, fascinado pelas tramas elegantes e pelos personagens bem construídos que habitam a majestosa propriedade dos Crawley. Esse universo expandiu-se em 2019, com a estreia nos cinemas do primeiro longa-metragem derivado da série, um sucesso que abriu caminho para “Downton Abbey: Uma Nova Era”, filme lançado três anos depois, com a missão de revitalizar a saga ao mesmo tempo em que preserva sua essência narrativa.

Consciente da complexidade acumulada ao longo de tantos anos, o diretor Simon Curtis opta por uma abertura leve, com o personagem Molesley (Kevin Doyle), ex-mordomo agora professor, dirigindo-se diretamente ao espectador para apresentar um rápido resumo das histórias anteriores. Embora soe incomum nesse contexto, a estratégia funciona como um simpático aceno metalinguístico ao próprio público, destacando o caráter quase enciclopédico e irresistivelmente novelístico do universo “Downton Abbey”. Contudo, rapidamente percebemos que tal prólogo é desnecessário, uma vez que o novo filme apresenta duas narrativas principais bastante independentes das tramas anteriores, permitindo fácil acesso tanto para fãs veteranos quanto para novos espectadores.

Uma das histórias centrais gira em torno da surpreendente herança deixada à matriarca Violet Crawley (Maggie Smith), que descobre ter recebido uma luxuosa villa na Riviera Francesa, ofertada por um antigo conhecido com quem não mantinha contato há décadas. Intrigados com as circunstâncias desse presente inesperado, Robert Crawley (Hugh Bonneville), sua esposa norte-americana Cora (Elizabeth McGovern) e o formalíssimo mordomo Carson (Jim Carter) viajam até Nice para investigar o mistério. Lá enfrentam resistência por parte da família francesa do falecido, liderada pela imponente viúva interpretada por Nathalie Baye, numa interação que reflete, com sutileza e ironia, tensões culturais entre os dois países.

Enquanto isso, Downton Abbey recebe uma equipe cinematográfica que aluga a propriedade para as filmagens de um novo filme, provocando divergentes reações entre seus habitantes. A aristocracia local demonstra evidente desconforto frente à invasão dos “vulgares artistas” do cinema, enquanto os empregados comemoram entusiasmados a novidade e, claro, o pagamento significativo pela locação. O conflito resultante é habilmente explorado por Julian Fellowes, criador e roteirista da série, que faz referências claras e divertidas ao clássico “Cantando na Chuva”, de 1952, destacando as implicações culturais e tecnológicas trazidas pela chegada do cinema sonoro — um choque entre tradição aristocrática e modernidade inevitável.

A direção de Curtis mantém-se firme e eficiente, conseguindo condensar várias narrativas em pouco mais de duas horas sem jamais perder o equilíbrio entre emoção e humor, drama e sátira social. Além disso, o filme explora habilmente diversas histórias paralelas que enriquecem a trama principal, especialmente aquelas ligadas à busca de realização amorosa e pessoal de seus personagens mais queridos. A cinematografia deslumbrante, com figurinos impecáveis e cenários luminosos, reforça ainda mais a estética refinada da série, transportando o espectador para um universo visual idealizado que contrasta deliberadamente com a realidade.

No centro de tudo, mesmo três anos após seu lançamento, “Downton Abbey: Uma Nova Era” revela-se como uma inteligente reflexão sobre o confronto inevitável entre passado e futuro, tradição e inovação, segurança financeira e vulnerabilidade emocional. Mais do que simples entretenimento ou mera continuação da saga original, o filme reforça o poder narrativo único dessa história, capaz de encantar o público enquanto provoca questionamentos sobre as mudanças sociais e históricas às quais todos nós, independentemente de classe social ou época, estamos sujeitos.

Filme: Downton Abbey: Uma Nova Era
Diretor: Simon Curtis
Ano: 2022
Gênero: Drama/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★