Depois de certa idade, sente-se que extremos ficam cada vez mais próximos. Tornam-se pateticamente mais comuns as situações em que a beleza tem sua porção de trágico, o monstruoso ganha tons menos sombrios e o horror, essa condição imanente a tudo quanto diga respeito à jornada humana, também pode ser terapêutico. “Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado” é desses filmes que ficam melhores à medida que o tempo avança, tanto que inspira paródias e, claro, sequências e muitas outras produções desse mesmo gênero. São possíveis análises sob um vasto leque de perspectivas, mas quem gosta mesmo de experiências como a que Jim Gillespie oferece está, por evidente, pouco interessado em elucubrações filosóficas sobre produtos destacadamente comerciais — embora elas caibam. Nas mãos de Gillespie, um enredo acerca de irresponsabilidades juvenis passa a uma crônica sobre as miudezas da alma do homem, esse animal feroz sempre em busca do que não pode ter.
“Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado” tem bons momentos. O roteiro de Lois Duncan e Kevin Williamson disfarça as limitações narrativas da trama com detalhes técnicos como a câmera em plano geral mostrando um mar escuro e proceloso, para logo em seguida fazer um giro fixar-se em alguém que mira um penhasco. Pensa-se que qualquer coisa de tétrico pode acontecer, mas por algum motivo o diretor segura a ação, preferindo ressaltar o Quatro de Julho, um fetiche recorrente quando cineastas querem incluir situações de atrito e violência. Gillespie situa o filme numa cidadezinha da Carolina do Norte, onde acontece um concurso de beleza que coroa Helen Shivers a Rainha Croaker. Ela espera que este seja o primeiro passo em sua escalada até a Broadway, e conta para isso com o namorado, Barry Cox, um playboy que vai deslindando aos poucos sua natureza criminosa; a melhor amiga, Julie James, uma garota aplicada que deseja subir por seus dotes intelectuais; e o parceiro de Julie, Ray
Bronson.
O diretor chega ao mote ao reunir os quatro personagens em volta de uma fogueira numa praia. Eles começam a debater a respeito de uma velha lenda urbana que alude a um casal de adolescentes que encontrara um gancho banhado em sangue na porta do carro. Posteriormente, ao voltar para casa, eles vislumbram um andarilho pela estrada. Como se tomados por uma entidade satânica, o sujeito torna-se o alvo de uma brincadeira perigosa que, por evidente, acaba mal. É escusado dizer que eles não vão à polícia. Algum tempo depois, parece que a vida está cumprindo seu curso: agora, Helen está em Nova York tentando a carreira no showbiz, e no verão seguinte, regressa para a casa dos pais; é quando chega-lhe o bilhete com a frase que dá título ao longa, e um certo Pescador, uma figura sinistra que enverga uma capa de chuva e um chapéu de borracha.
Desse ponto em diante, “Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado” obedece a todos os mandamentos do slasher, com um psicopata inclemente espalhando terror entre americanos outrora tranquilos e jatos de sangue, tudo regado a bastante nonsense. Para quem era adolescente nos anos 1990, a graça mesmo é comparar as belas estampas de Sarah Michelle Gellar, Ryan Phillippe, Jennifer Love Hewitt e Freddie Prinze Jr., marido de Gellar, com suas atuais configurações e ver que estamos melhores que eles. Eu poderia citar “A Vingança dos Nerds” (1984), de Jeff Kanew, outro clássico daquela era de ouro, mas acho mais prudente parar por aqui.
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