Com Anya Taylor-Joy, série viciante da Netflix foi vista por 62 milhões de pessoas nos primeiros 28 dias de estreia Divulgação / Netflix

Com Anya Taylor-Joy, série viciante da Netflix foi vista por 62 milhões de pessoas nos primeiros 28 dias de estreia

“O Gambito da Rainha” ultrapassa a biografia de Beth Harmon(Anya Taylor-Joy), uma jovem órfã que ascende ao topo de um universo do xadrez, predominantemente masculino. O que a série realmente propõe vai além da lógica dos movimentos: ela examina como a vida, com seus altos e baixos, se reflete nas estratégias do jogo, desafiando nossa compreensão sobre o que define a vitória e a derrota, o sucesso e o fracasso.

Ao longo dos episódios, somos apresentados a uma história que, à primeira vista, pode parecer uma simples trajetória de superação. No entanto, o que se desenrola diante de nossos olhos é uma meditação sobre a condição humana, suas falhas, suas glórias e, principalmente, a incerteza de nossos próprios destinos. O próprio jogo de xadrez, com suas táticas calculadas e movimentos antecipados, serve como uma metáfora poderosa para as escolhas, erros e acertos que todos enfrentamos na busca por um propósito.

De início, a série nos oferece uma estrutura que ecoa o xadrez: uma abertura que captura a atenção, um meio intrigante que mantém a tensão e, finalmente, um final que nos desafia a repensar nossas próprias crenças sobre crescimento e realização. Beth Harmon não é simplesmente uma mulher lutando contra adversários; ela é a representação de todos aqueles que, no campo da vida, enfrentam seus próprios vícios, dilemas e falhas internas, na esperança de alcançar algo maior.

É impossível ignorar o retrato complexo do vício que a série constrói. Ao contrário das narrativas convencionais que tratam o uso de substâncias como um obstáculo irreversível, “O Gambito da Rainha” faz algo mais ousado: apresenta o vício de Beth quase como uma aliada paradoxal, uma força que a permite transcender suas limitações. Não é um simples ponto de vilania ou fraqueza, mas um fator que, de maneira surpreendente, contribui para sua ascensão no xadrez, refletindo a realidade de que as adversidades, em certos contextos, podem ser transformadoras.

A série se afasta das abordagens moralistas que simplificam o vício, oferecendo uma reflexão mais profunda sobre como nossas falhas e fraquezas podem, paradoxalmente, ser usadas para nos impulsionar a alcançar a grandeza. Beth, com todas as suas imperfeições, se torna uma representação do ser humano que, por mais que seja marcado por sombras, é capaz de encontrar luz, não por superação total de seus vícios, mas pela adaptação e superação de suas limitações.

A construção de personagens em “O Gambito da Rainha” vai além de Beth. Ao se concentrar não apenas na protagonista, mas também em seus aliados, competidores e mentores, a série cria uma rede de relações interligadas que enriquecem o enredo. Cada personagem, secundário ou não, tem sua própria história e falhas, o que transforma cada interação em algo significativo, não apenas como suporte à jornada de Beth, mas como reflexões sobre os próprios dilemas humanos. 

Essas conexões são tratadas com uma sensibilidade que amplia a experiência da série, aprofundando a análise do relacionamento entre individualidade e coletividade. Cada personagem, ao se desenvolver, se torna uma extensão da complexidade central da história. Não há simples bons ou maus, mas um entrelaçamento de motivações que desafia o espectador a questionar suas próprias definições de moralidade, sucesso e fracasso.

O estilo visual da série, com suas escolhas cuidadosamente artísticas, não é apenas uma questão de estética. Cada elemento, desde a fotografia até a trilha sonora, se alinha com a narrativa de maneira quase simbiótica, refletindo o próprio universo psicológico da protagonista. A cinematografia cria uma atmosfera densa, onde as transições entre cenas, muitas vezes poéticas, aprofundam a imersão do espectador na história de Beth.

O design de produção, com sua atenção minuciosa aos detalhes e à estética vintage, não serve apenas para ilustrar a época, mas para reforçar a transição de Beth de uma órfã vulnerável para uma campeã confiante. A produção vai além do papel de cenário, é uma extensão da própria jornada de autodescoberta da protagonista. Ao espelhar sua transformação interna, o visual se torna uma extensão da narrativa emocional, criando uma simbiose entre o psicológico e o físico, entre o jogo e a vida.

“O Gambito da Rainha” nos leva a uma reflexão profunda sobre o custo do sucesso e a natureza humana do vício. Ao contrário de uma simples história de ascensão, a série nos desafia a reconsiderar a maneira como entendemos nossas próprias vitórias e derrotas, revelando que, muitas vezes, os maiores desafios estão em nossa capacidade de navegar pelas sombras internas. 

Beth Harmon não é apenas uma jogadora de xadrez: ela é um reflexo de todos nós que, em busca de nossos próprios objetivos, enfrentamos nossas limitações e tomamos decisões que nos definem, para o bem ou para o mal. Ao nos mostrar que o sucesso não é uma linha reta, mas uma série de decisões intricadas, a série nos lembra que o verdadeiro jogo não é contra outros jogadores, mas contra nós mesmos. 

Filme: O Gambito da Rainha
Diretor: Scott Frank e Allan Scott
Ano: 2020
Gênero: Drama/Épico
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★