Magistral, obra-prima de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, chegou à Netflix como a série mais esperada de 2025 Divulgação / Netflix

Magistral, obra-prima de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, chegou à Netflix como a série mais esperada de 2025

A sensação de repetição histórica que percorre o século XXI encontra um espelho preciso na Itália de 1860, imortalizada em “O Leopardo” (1958), de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957). Mais de 160 anos após a publicação póstuma desse marco literário, o país parece brincar perigosamente com os mesmos dilemas, esticando os limites da tolerância a forças ultraconservadoras. Essa imprudência culminou na ascensão de Giorgia Meloni, uma entusiasta do fascismo que governa sob o lema “Deus, Pátria e Família”, um mantra conveniente para justificar a insensibilidade diante de questões humanitárias urgentes, como o fluxo migratório crescente e os ataques a direitos conquistados pela comunidade LGBTQIA+.

A Europa, de maneira geral, enfrenta crises semelhantes, e o Brasil, sem grande pressa para mudar sua própria lógica política, permanece confortável em sua eterna passividade, um ambiente propício para que oportunistas de todos os espectros ideológicos prosperem. Aqui, contudo, foi um presidente identificado com a direita — mas defensor de práticas que ferem a democracia, como o extermínio de opositores, a tortura e a negligência criminosa diante de uma pandemia — quem elevou o nível do alerta vermelho. Diante desse cenário, a obra de Lampedusa volta a ser mais do que pertinente. Luchino Visconti (1906-1976) já havia levado seu universo ao cinema em 1963. Agora, Richard Warlow, showrunner britânico, reafirma a atualidade do escritor siciliano e lança uma versão ainda mais contundente de sua crítica.

Na série, as trezentas páginas do romance histórico são transformadas em seis episódios ambientados na Sicília, às vésperas do Risorgimento, movimento que buscou unificar a Itália entre 1815 e 1870. À época, o país ainda era um mosaico de pequenos Estados vulneráveis à influência estrangeira. Assim como no livro e na adaptação cinematográfica, é Fabrizio Corbera, príncipe de Salina, quem centraliza os acontecimentos e personifica os dilemas de uma nobreza ciente de sua decadência, mas relutante em admitir seu ocaso.

Interpretado no filme por Burt Lancaster (1913-1994), cuja presença dominava a tela com elegância aristocrática, Don Fabrizio agora ganha nova forma em Kim Rossi Stewart. Sem perder a altivez imortalizada por Lancaster, ele carrega a mesma postura soberba e resignada de um homem que vê seu tempo se esgotar. O luxo e a decadência, características marcantes da obra de Visconti, ainda se fazem presentes na nova adaptação, da arquitetura grandiosa ao amarelo desbotado das paredes do palácio onde a família Corbera mantém suas rezas rotineiras.

A chegada dos revolucionários liderados por Giuseppe Garibaldi (1807-1882), o lendário “herói de dois mundos” que combateu na Europa e na América do Sul, incluindo a Revolução Farroupilha (1835-1845) no Brasil, representa uma ameaça ao status quo. A família Corbera, temerosa diante do colapso iminente, busca refúgio em uma província distante. Don Fabrizio, inicialmente fascinado pela ideia de exercer influência no novo regime, percebe que a unificação significará sua irrelevância e, em vez de resistir, decide concentrar-se na união de Tancredi e Angelica Sedara, interpretados por Saul Nanni e Deva Cassel. O romance, porém, é marcado pelo sofrimento de Concetta (Benedetta Porcaroli), apaixonada por Tancredi e condenada a um amor não correspondido.

Warlow conduz a narrativa com precisão, utilizando a fotografia impecável de Nicolai Brüel para intensificar a atmosfera de transição e incerteza. Sua adaptação reforça a tese de Lampedusa, mas não no senso comum de que nada muda — e sim na ideia mais inquietante de que a substituição de figuras de poder raramente representa uma renovação verdadeira. Os leopardos podem partir, mas são as hienas que tomam seu lugar, assegurando que a roda continue girando sem nunca se deslocar de fato.


Série: O Leopardo
Criação: Richard Warlow
Ano: 2025
Gêneros: Drama/Épico 
Nota: 10