Intenso e transformador: o filme do Prime Video sobre solidão e autoconhecimento que vai tocar cada pedaço da sua alma Divulgação / Metro-Goldwyn-Mayer

Intenso e transformador: o filme do Prime Video sobre solidão e autoconhecimento que vai tocar cada pedaço da sua alma

Ter toda sorte de problemas, dos que tocam a nossa própria biologia aos mais severos, quando nos parece impossível o ajuste a qualquer sistema baseado num padrão de condutas e regras, é um verdadeiro paradigma daquele calvário interior chamado adolescência. Nessa fase ingrata da vida, especialmente penosa, quase tudo fede a uma conspiração dos astros contra nossos sonhos mais róseos — ainda que eles, coitados, sigam pela eternidade orbitando no sem-fim do universo, indiferentes a nossos pleitos e nossas agonias.

Sentimo-nos perigosamente sós, implorando num silêncio atroador pela compaixão de alguém, desde que não sejam nossos pais, criaturas pré-históricas que não entendem de coisa alguma e que têm o curioso dom de aborrecer-nos até o osso com suas verdades, inarredáveis e translúcidas. A orientação de pais atentos, privilégio de que nem todos gozam na quadra da vida em que dela precisam desesperadamente, evita uma porção de mágoas que teimam em se insinuar a certa altura, às vezes tolas, mas às vezes um suplício que massacra uma família inteira sem hesitar.

Richard Tanne retrata com maestria os tantos percalços da adolescência em “A Química que Há Entre Nós”, um conto sobre amadurecimento e aprendizado, ainda que nem sempre eles andem juntos. Tanne adapta “Our Chemical Heart” (“nossa química do coração”, em tradução livre; 2016), romance para jovens adultos da australiana Krystal Sutherland, de modo a questionar a capacidade de fazer escolhas de Henry Page, um garoto comum que se vê forçado a tomar decisões penosas demais para seus verdes dezessete anos. E, por incrível que pareça, ele sai-se muito bem.

Henry continua empenhado em realizar o grande sonho de tornar-se um escritor, ainda que nada de verdadeiramente palpável tenha acontecido para ele nessa seara. Uma novidade desenha-se no horizonte quando Kem Sharma, o diretor interpretado por Adhir Kalyan, o convida a assumir o cargo de editor-chefe do jornal da escola, desde que ele concorde em partilhar a experiência com Grace Town, uma aluna nova de formação intelectual muito superior aos conhecimentos médios das pessoas da sua idade, mas que guarda um passado meio nebuloso e locomove-se com o auxílio de uma bengala.

O diretor-roteirista elabora as várias faces da relação entre Henry e Grace a partir de sutilezas como mostrá-la lendo o Soneto de Amor 17, dos “Cem Sonetos de Amor” que o chileno Pablo Neruda (1904-1973) legou à humanidade em 1959, do qual ele se apropria sem pejo algum. Mais tarde, Henry está tão absorto diante de sua musa que termina perdendo o ônibus; os dois caminham até a casa de Grace, que oferece-lhe uma carona, desde que ele mesmo dirija e então esse passa a ser uma espécie de ritual quase romântico deles, com desdobramentos que jamais preveriam.

Austin Abrams e Lili Reinhart revezam-se na exposição das tragédias de Henry e Grace, atentos ao que Tanne quer contar sobre seus personagens ao passo que conseguem também esconder o ouro sempre que necessário. Grace não surgiu na vida de Henry para ajudá-lo a crescer ou o que quer seja, e assim mesmo ele nunca deixa de acreditar que os dois tem uma jornada em comum — acidentada, é verdade. Conforme se assiste no desfecho, ele estava sonhando muito alto, mas quem atreve-se a lançar-lhes qualquer reproche?

Filme: A Química que Há Entre Nós
Diretor: Richard Tanne
Ano: 2020
Gênero: Coming-of-age/Drama/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.