A melhor série de mistério de 2025 acaba de estrear na Netflix, baseada em um livro do autor que já vendeu 80 milhões de exemplares Divulgação / Netflix

A melhor série de mistério de 2025 acaba de estrear na Netflix, baseada em um livro do autor que já vendeu 80 milhões de exemplares

Sempre sábia, a vida vai dando indícios de que é chegada a hora de mudanças profundas depois de uma jornada tão serena quanto insignificante. As cobranças e, em especial, as autocobranças começam a se multiplicar em velocidade frenética, lembrando-nos de que é necessário fazer alguma coisa, e logo, a fim de deixar claro quem é que está no comando.

Naturalmente, confrontam-nos os dilemas existenciais característicos — alguns graves, outros, nem tanto — , como se tudo não fosse além de uma piada metalinguística ou de um jogo, de que sai vencedor aquele que suporta permanecer mais tempo na copa de uma árvore muito alta durante a tempestade, segurando-se firme nos galhos que não param de balançar, indiferente aos trovões que ameaçam reduzir tudo a um feixe de luz abrasadora, até que a música cessa, a brincadeira perde a graça, a noite esfria como um castelo de gelo e salvador nenhum vem em nosso socorro. É nesse instante que sentimo-nos como Greta, a protagonista de “Apenas um Olhar”, que precisa tornar-se senhora de suas próprias decisões, pesando o que deve ou não ser feito e como, porque depois poderá ser irremediavelmente tarde. Talvez tarde demais.

Inconsistências da juventude agrupam-se sob a forma de conflitos, que por seu turno quase sempre degringolam em atitudes precipitadas, irrefletidas, que terminam por custar caro. Contrariamente ao que achamos quando somos jovens e imprudentes — e, portanto, marcados por uma ingenuidade perigosa —, o universo não deve-nos coisa alguma, não tem a menor ideia sobre quem somos e não faz nenhuma questão de tê-la. Harlan Coben descortina o paradoxo misterioso da vida, mormente nessa fase de descobertas e insurreição, cheia de todas as reviravoltas que garantem o sobe-e-desce que obriga sua anti-heroína a assumir uma postura mais agressiva diante dos outros, a começar por seu próprio marido. Greta procura um jeito qualquer de reparar uma decisão errada que acabou por constituir-se na maldição que só agora ela sente. 

Ela parece ser uma mulher bem-aventurada, contente com sua carreira de designer de joias e os dois filhos que teve com Jacek, o marido aparentemente perfeito vivido por Cezary Łukaszewicz. O leitor fiel não tarda a perceber que Greta e Jacek substituem Grace e Jack, os personagens centrais do romance homônimo de Coben, publicado em 2004, levados para a Polônia por contar com produtores daquele país. Nada que atrapalhe o andamento da trama, reprodução fidedigna do enredo original, que orbita em torno da foto tirada nos bastidores de um show de rock numa siderúrgica abandonada. O evento degringola no maior desastre civil da história da Polônia, cuja única sobrevivente, Greta, aprende a conviver com cicatrizes e as rosas vermelhas que Karol Wespa, pai de um dos mortos, envia para ela todos os anos no aniversário da catástrofe.

Já no primeiro episódio, Greta demonstra um incômodo para além do retrato em si, e desse ponto em diante, Coben conduz o enredo a uma engenhosa sequência de falsas pistas, que levam a um outro enigma, dessa vez ligadas ao sequestro de Jacek. Não há nada de novo em mais essa série a respeito de casamentos falidos que estendem-se mais que o suportável e tantas amargas reminiscências de um passado remoto e infausto, e mesmo assim ninguém consegue desviar os olhos da tela. Apesar de limitado a temas que já se mostraram populares, Harlan Coben parece ter reoxigenado a literatura de mistério. “Apenas um Olhar” está no lugar certo.


Série: Apenas um Olhar
Criação: Harlan Coben
Ano: 2025
Gêneros: Mistério/Crime/Suspense 
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.