Poético e político: drama de Mike Mills com Annette Bening, Ella Fanning e Greta Gerwig vai provocar uma verdadeira revolução de emoções, na Netflix Divulgação / A24

Poético e político: drama de Mike Mills com Annette Bening, Ella Fanning e Greta Gerwig vai provocar uma verdadeira revolução de emoções, na Netflix

No turbilhão de transformações culturais e sociais que marcam o final da década de 1970, “Mulheres do Século 20” é uma exploração sensível e multifacetada das relações humanas. Sob a condução de Mike Mills, o filme supera a mera reconstituição de época para construir um retrato íntimo de personagens que, apesar de distintos em suas vivências, compartilham a mesma inquietação diante da passagem do tempo. No centro dessa narrativa está Dorothea (Annette Bening), uma mulher de espírito livre que, ao criar sozinha seu filho adolescente, Jamie (Lucas Jade Zumann), percebe que a distância entre gerações não se resume a diferenças de costumes, mas a modos distintos de enxergar e sentir o mundo.

Uma de suas melhores qualidades é a maneira como constrói suas personagens de forma orgânica, sem recorrer a estereótipos ou arquétipos desgastados. Dorothea, marcada pelas experiências da Grande Depressão, encara a vida com um pragmatismo que, aos olhos de Jamie, parece incompatível com o fervor revolucionário e as novas formas de expressão da juventude. Consciente de suas limitações como mãe, ela recorre a duas jovens para ajudá-la nessa jornada: Abbie (Greta Gerwig), uma fotógrafa imbuída de um espírito libertário e confrontada pelas sequelas de um câncer, e Julie (Elle Fanning), cuja precocidade emocional desafia a noção de juventude despreocupada. O quarteto se completa com William (Billy Crudup), um homem que parece anacrônico diante das mulheres que o cercam, mas que encontra seu espaço na construção desse pequeno universo.

A estrutura narrativa de Mills evita o convencionalismo ao entrelaçar vozes e memórias, criando uma experiência sensorial que não apenas retrata, mas imerge o espectador no período retratado. Fotografias de diferentes épocas, discursos políticos e um repertório musical que vai do punk abrasivo do The Raincoats à melancolia de “As Time Goes By” formam um tecido narrativo que ressoa como um diário emocional coletivo. Esse mosaico não é apenas estético; ele reflete a maneira fragmentada como essas personagens se enxergam e interagem, mais propensas a falar sobre si mesmas do que a verdadeiramente se escutar. Essa fragmentação, longe de ser um artifício, é o próprio cerne da experiência humana retratada no filme.

À medida que a trama avança, torna-se evidente que “Mulheres do Século 20” não se propõe a responder aos conflitos que apresenta, mas a evidenciar sua inevitabilidade. O distanciamento entre Dorothea e Jamie não se resolve em um momento catártico; pelo contrário, ele se sedimenta na aceitação de que algumas lacunas nunca serão preenchidas por completo. O que se desenrola não é um embate entre passado e futuro, mas uma dança silenciosa entre o desejo de compreender e a impossibilidade de realmente fazê-lo. Annette Bening entrega uma atuação que escapa a qualquer simplificação: sua Dorothea não é a mãe idealizada nem a mulher perdida em tempos que não lhe pertencem, mas um ser humano complexo, que ama profundamente, ainda que nunca consiga expressar esse amor da maneira que gostaria.

Entretanto, apesar de sua potência emocional, o filme não está imune a contradições. Embora se proponha a discutir o feminismo e a liberdade das mulheres, a narrativa acaba, em certa medida, girando em torno da trajetória de amadurecimento de Jamie, relegando as experiências de Abbie e Julie a papéis secundários. Essa escolha narrativa não passa despercebida, ainda que não comprometa o impacto do filme como um todo. Além disso, a estrutura episódica, por mais engenhosa que seja, pode criar uma certa distância emocional, especialmente no que diz respeito ao protagonista masculino, que por vezes parece mais um canal para a visão de Mills do que um adolescente plenamente desenvolvido.

Mesmo com essas ressalvas, “Mulheres do Século 20” tem capacidade de transformar o ordinário em poesia, de enxergar beleza na efemeridade dos laços humanos. Ao se afastar dos padrões tradicionais do cinema comercial, aproxima-se do espírito contemplativo de cineastas como Bergman e Rohmer, capturando a delicadeza dos instantes que, embora passageiros, moldam para sempre aqueles que os vivenciam. Mais do que um relato de época, o filme é um lembrete atemporal de que, apesar das mudanças de geração, a busca por pertencimento e compreensão permanece como um dos traços mais essenciais da experiência humana.

Filme: Mulheres do Século 20
Diretor: Mike Mills
Ano: 2016
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★