Se há um gênero que inevitavelmente desperta a curiosidade do público, é o de espionagem. Tramas desse tipo provocam um desejo imediato de entender até que ponto o relato segue a realidade ou se a ficção deu mais contornos do que o habitual. Independentemente do tratamento que o diretor tenha dado ao material, sempre há um interesse em conhecer os bastidores da narrativa: quais foram os critérios para a escolha do tema, se há viés ideológico embutido, o que os atores compartilham ou contrastam com os personagens que interpretam. São inquietações corriqueiras, mas compreensíveis, e basta uma rápida pesquisa na internet para comprovar como esse ímpeto investigativo se espalha entre os espectadores.
Filmes como “O Jogo da Espionagem” despertam de imediato um fascínio por sua trama, seja pelo realismo ou pelas controvérsias que suscitam. Em tempos de opiniões ruidosas, qualquer obra repercute, para o bem ou para o mal. Grant S. Johnson procura fugir dos clichês ao lançar um veterano de Hollywood como um agente desgastado pela vida, e a partir desse ponto, os desdobramentos vão se tornando progressivamente mais inesperados.
A narrativa inicia com um homem envelhecido, sentado em um banco de praça. A rua está deserta, mas ele se ergue repentinamente e dispara contra um inimigo invisível. Ninguém poderia encarnar melhor esse tipo de personagem do que Mel Gibson, deslocado em um mundo que já não reconhece. O roteiro, assinado por Mike Langer e Tyler W. Konney, então transporta a ação para um cenário incerto, possivelmente na Antuérpia, onde colegas de Olsen, o atirador inicial, torturam um homem negro, Omar, mantendo-o suspenso por um gancho.
Johnson conduz a cena com paciência, apoiando-se no talento de Barkhad Abdi para amplificar a tensão, tal como fez em “Capitão Phillips” (2013), sob direção de Paul Greengrass. A personagem que mais se compromete com a missão é Visser, uma agente afro-americana interpretada por Annie Ilonzeh. A presença dela reforça os subtextos do filme, que ganham corpo quando Reese, um burocrata interpretado por Rhys Coiro, entra em cena liderando um grupo encarregado de levar um prisioneiro para uma aeronave, onde mensagens de Washington chegam diretamente aos celulares dos oficiais. Enquanto isso, Olsen se ocupa de selecionar novos candidatos para a atuação no continente europeu.
A certa altura, “O Jogo da Espionagem” provoca um descompasso narrativo que não passa despercebido. Grant S. Johnson parece querer reproduzir o sentimento de desorientação que permeia a política de segurança dos Estados Unidos, mas o que se sobressai são lacunas na construção da trama, sobretudo no segundo ato. Gibson, por vezes, não soa como um experiente espião, mas como um paranoico obcecado pela ideia de preservação dos próprios privilégios. A escolha desse recorte, ainda que não intencional, acaba sendo um reflexo das tensões políticas atuais em escala global.
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