Há cineastas cuja identidade visual e narrativa transcende o mero estilo, tornando-se uma marca inconfundível. Wes Anderson ocupa um espaço singular nesse panteão, e “O Grande Hotel Budapeste” sintetiza sua meticulosidade estética e sua precisão formal em uma narrativa que equilibra fábula e crime, humor e melancolia, geometria rigorosa e caos emocional. O filme não apenas conta uma história, mas a insere em um universo visual e temático que, ao mesmo tempo, remete à nostalgia e surpreende pela originalidade.
A fictícia Zubrowka, cenário dessa trama ambientada entre as duas guerras mundiais, serve como palco para a trajetória de Gustave H. (Ralph Fiennes), concierge do hotel titular. Com sua postura aristocrática e gestos polidos até o exagero, ele encarna uma sofisticação em vias de extinção. Sua relação com Zero Mustapha (Tony Revolori), um jovem mensageiro recém-chegado ao hotel, forma o eixo emocional da narrativa, que se desenrola entre assassinatos, perseguições e conspirações que remetem à literatura de mistério clássica. No entanto, sob esse verniz de comédia de aventuras, o que emerge é um lamento contido pela dissolução de um mundo que, mesmo teatral e artificial, ressoa com autenticidade.
Anderson constrói um espetáculo minucioso. Cada enquadramento obedece a uma composição milimetricamente planejada, onde o design de produção e a fotografia trabalham em simbiose para criar um universo estilizado e imersivo. A cenografia exuberante, os figurinos detalhados e a montagem cadenciada conferem ao filme uma musicalidade própria. O reconhecimento da Academia, com premiações em categorias como design de produção, figurinos e maquiagem, não foi apenas justo, mas inevitável para um filme que transforma cada elemento visual em parte essencial da narrativa.
O elenco de apoio reforça o caráter lúdico da obra. Willem Dafoe e Adrien Brody adicionam um tom de ameaça velada, enquanto Edward Norton e Jeff Goldblum transitam com naturalidade pelo humor seco e pela excentricidade sutil. Contudo, é Ralph Fiennes quem domina a cena, oferecendo uma atuação surpreendentemente versátil, onde elegância e desespero se entrelaçam com um impecável senso de timing cômico. Ao seu lado, Tony Revolori sustenta seu papel com discrição calculada, estabelecendo um equilíbrio perfeito com a grandiloquência do protagonista.
Anderson não se limita a dirigir; ele coreografa cada aspecto do filme, equilibrando o absurdo e o refinado com a precisão de um relojoeiro. A estrutura narrativa se desenrola em camadas, como uma matrioska cinematográfica, onde cada nova revelação adiciona densidade ao enredo. A trilha sonora de Alexandre Desplat amplifica esse efeito, criando uma atmosfera ao mesmo tempo envolvente e evocativa, que transporta o espectador para um tempo e espaço de contornos indefinidos.
“O Grande Hotel Budapeste” é uma obra que celebra a memória e a efemeridade. Em meio a sua engenhosidade visual e suas reviravoltas calculadas, o filme se firma como uma ode à arte de contar histórias. Cada quadro, cada linha de diálogo e cada personagem contribuem para a construção de um universo onde a fantasia e a verdade coexistem, lembrando-nos de que, no cinema, a beleza pode ser tão efêmera quanto inesquecível.
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