Chegamos ao mundo sós, estamos sós do berço ao túmulo, e os mais espertos compreendemos logo que é necessário nos empenharmos muito para fazer com que os momentos em que passamos na companhia de outras pessoas tornem-se dignos das melhores lembranças. O aspecto eminentemente paradoxal dessa evidência é que são recorrentes as situações nas quais não se percebe interesse algum de parte a parte, e a despeito da vontade atávica, ancestral e instintiva da fuga e do isolamento, persistimos na atitude quase obsessiva de adequarmo-nos ao que esperam de nós, observando certas normas tácitas de conduta, de como apresentar-se diante dos outros, esquecendo, ainda que apenas pelo tempo em que somos forçados a abdicar de nossas solidões, dos traumas, neuroses e, claro, das deleitosas manias que fazem nosso cotidiano um pouquinho menos enfaroso.
Nem tudo é só desespero, entretanto; é difícil, mas sempre pode se dar o prodígio milagroso de se deparar com alguém que assim, por acaso ou por destino, encontra na vida o mesmo prazer que nós, precisamente por se saber feito de outro barro. Richard Turpin (1705-1739), o protagonista de “A Lenda do Cavaleiro Negro”, parece ter tentado a todo custo encaixar-se na sociedade de seu tempo, até que viu na delinquência não só um meio de vida, mas sua razão de ser.
A solidão é, como mostra o diretor Steve Lawson, muito mais que tão somente a vontade de estar só. Há passagens na vida de cada homem, célebre ou irritantemente comum, em que é de fato imprescindível retirar-se do mundo, ainda que metaforicamente, mesmo que pelo espaço de um instante, para realizar feitos invulgares. É preciso esquecer muito para se lembrar do pouco que importa; é forçoso mergulhar no mais fundo de nós a fim de saber para onde devemos ir. Dick Turpin abraça esse processo que não raro mostra-se doído, de abandonar a ribalta e reconhecer-se pequeno, insignificante, hediondo, frágil como qualquer outra pessoa, o que não deixa de ser um exercício de autopreservação, como se, em extirpando um órgão que já não desempenha as funções para que fora criado, conseguíssemos finalmente reoxigenar o sangue e permitir que assim a vida brote outra vez.
Turpin, brilhantemente encarnado por Morgan Rees-Davis, está convencido de que ser o mais competente salteador de estrada inglês é o que pode oferecer de melhor à humanidade, até que seu coração prepara-lhe uma surpresa. A certa altura, o texto de Lawson dá uma guinada brusca e revela que ele é também capaz de amar, malgrado depois de uma violência. O sequestro de Elizabeth, a filha cheia de personalidade do Conde de Pembroke, o leva por uma jornada em que descobre sentimentos que jamais imaginara ter em si, coroados quando a moça apaixona-se por ele e um duelo se faz necessário. Mollie Hindle rouba a cena ao expor as várias faces de Elizabeth num enredo que é ele mesmo fascinantemente diverso.
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