Uma verdadeira revolução acontecia nos Estados Unidos dos anos 1960. Cansados de esperar pela tal justiça, que deveria ser cega, mas que, ao longo dos anos, acabou desenvolvendo uma espécie de visão seletiva, cidadãos afro-americanos passaram a reivindicar sistematicamente a chance de tratamento justo e ascensão social mediante sua capacidade e esforço, um dos preceitos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, originalmente publicada em 1948 e filha da Revolução Francesa, cujo fulgor se espalhou pelo mundo entre 1789 e 1799.
Contudo, um século depois da promulgação da 13ª Emenda à Carta Magna, em 6 de dezembro de 1865, justamente nos estertores da Guerra Civil (1861-1865), quando o Sul escravagista e o Norte, a favor da abolição, se enfrentaram, a América ainda sofria com a segregação racial entre negros e brancos. Instituições como a Nickel Academy, em Marianna, Flórida, eram quase tão tradicionais quanto a própria luta dos negros americanos por igualdade, e em seus 111 anos de operação, de 1º de janeiro de 1900 a 30 de junho de 2011, recebeu jovens pretos dos cinquenta estados da América, prometendo oferecer-lhes o que sua pele lhes negara. O que de fato aconteceu foi um escândalo que une sadismo, negligência e crime, verdade iluminada por RaMell Ross em “O Reformatório Nickel”, drama histórico que chega em boa hora.
Ross adapta o romance de formação de mesmo nome de Colson Whitehead, publicado em 2019 e vencedor do Pulitzer do ano seguinte, sem nenhuma vontade de esconder nada — ainda que suavize quase tudo. Na abertura, Elwood Toussaint Curtis está caído no chão, depois de, ao que parece, ter despencado de uma laranjeira. O diretor e o corroteirista Joslyn Barnes brincam com imagens afetuosas, a exemplo de uma árvore de Natal cheia de bolas reluzentes e raios de sol que banham cômodos limpos de uma casa espaçosa, até começar a sugerir que é de lá que Elwood vem, sem dizer como chegara à Nickel. Algum tempo depois, Turner, outro garoto preto, torna-se um dos internos, e o filme passa a estender-se sobre as expectativas dos dois nesse lugar onde deveriam ser assistidos pelo poder público e, então, iriam ficar mais próximos da vida com que sonhavam.
O pleito por uma nação sem racismo — institucional, estrutural ou só ignorante mesmo —, culmina no assassinato covarde do reverendo Martin Luther King (1929-1968), líder que pregava uma reação pacífica frente à intolerância de certos brancos, e “O Reformatório Nickel” cruza também essa seara, sem prejuízo de abordagens mais aprofundadas no objeto central da história, que adquire cada vez mais significado graças à atuação de Ethan Herisse e Brandon Wilson, peças fundamentais para agrupar o vasto elenco e ajudar o espectador a ter uma pálida noção do horror da Nickel, mais uma dessas excelentes iniciativas que se corrompem no ovo. “O Reformatório Nickel” é o relato mais que perfeito de uma era que já deveria estar morta, mas que renasce ao descuido de gente bem-intencionada que elege políticos que apostam em ideologias desagregadoras. Todo o cuidado é pouco.
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