Desejamos o que nos parece inestimavelmente distante porque sabemos que as chances de o alcançar são mínimas; acatando esse mecanismo, sufocamos aspirações assustadoramente próximas porque elas não se nos mostram instigantes o suficiente, não nos encantam, não conseguem, enfim, cavar espaço num cérebro tomado por pensamentos os mais absurdos, rendido pela tirania da ilusão, subjugado pelo desvario mais eloquente, que não se contenta em mostrar-se senhor das humanas vontades e dos desejos mais comezinhos e pulsa e grita e queima, fazendo sofrer aquele que ousa enfrentar seus próprios medos e as neuroses que deles brotam, como se fossem as larvas de um inseto asqueroso e peçonhento, que não mede esforços para tomar conta de um jardim, seu mundo possível.
A vida de Juan Oliver, o protagonista de “Cela 211”, parece uma corrida contra o relógio, um teste de sobrevivência em que ele precisa encontrar logo um atalho até a linha de chegada. Adaptado do romance homônimo do espanhol Francisco Perez Gandul, de 2009, o filme do espanhol Daniel Monzón registra a gana de um homem que só quer sustentar sua família de maneira honesta, contudo é abalroado por uma trapaça do destino, um acontecimento tão banal quanto poderoso que ele rebate com um golpe talvez ousado demais.
Ganhar a vida nem sempre é prazeroso. Levantar cedo; se arrumar; escolher uma roupa nem tão discreta que vá deixá-lo invisível para os demais — e muitas vezes até para si mesmo — nem chamativa em excesso, a ponto de fazê-lo se tornar o centro das atenções; tomar condução cheia; ter de se relacionar com colegas em nada semelhantes a nós, inseguros, invejosos, que não raro só demonstram alguma serenidade quando também falhamos são etapas de uma maratona diária que perde a cabeça de muita gente. Juan Oliver e a esposa, Elena, grávida, passam por sérias dificuldades quando ele consegue um emprego como guarda prisional e por isso quer fazer tudo certo.
Ele comparece a uma visita no futuro local de trabalho, a fim de familiarizar-se com a rotina profissional, mas perde a consciência depois de um acontecimento inesperado, e irrompe uma rebelião. Monzón e o corroteirista Jorge Guerricaechevarría elaboram o argumento do personagem central perdido em lembranças que julga verdadeiras, mas que guardam boa medida de delírio, e Alberto Ammann capta esse sentimento e o faz chegar ao público.
As cenas de romance com Marta Etura do início cedem espaço a um rol de sequências nas quais Juan Oliver briga para continuar vivo, passando por um dos forçados ao deixar a tal cela 211, onde permanecera até recuperar-se. Depois que isso acontece, sua esperança atende pelo nome de Malamadre, um detento de fisionomia rude que aguarda pela data de sua execução. Luis Tosar acrescenta um pouco mais de tensão a uma narrativa que passa a depender de modo temerário da novidade. Ainda que não consiga e um ou outro lugar-comum acabe impondo-se, “Cela 211” não faz feio.
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