Aplaudido de pé nos cinemas, filme com Jim Parsons, que acaba de chegar à Netflix, vai tocar cada cantinho da sua alma Divulgação / Focus Features

Aplaudido de pé nos cinemas, filme com Jim Parsons, que acaba de chegar à Netflix, vai tocar cada cantinho da sua alma

Sob o néon vermelho de um inferninho de Manhattan, um típico nerd, desde criança viciado em cultura pop e autoridade em temas pelos quais pouca gente se interessa, desperta a atenção de um homem bonito, viril, chegado a mostrar o abdômen musculoso sempre que tem a oportunidade. Incomum, não? E se a essa primeira informação junta-se o adendo que esclarece que os dois permaneceram unidos, até que a morte os separasse, exatamente como heterossexuais ouvem dos padres diante do altar numa cerimônia católica em que a noiva usa um vestido branco ostensivo e o noivo sela o compromisso com um beijo?

Esse conto de fadas queer é parte da vida do jornalista americano Michael Ausiello, cujas memórias compilou sob o curioso título de “Spoiler Alert: The Hero Dies” (“alerta de spoiler: o herói morre”, em tradução literal; 2017). Em “Alerta de Spoiler”, o diretor Michael Showalter, por seu turno, adapta o texto de Ausiello de modo a extrair a dureza da realidade de cada lance, em especial depois que começam a se suceder os infortúnios que levam ao desfecho que o livro escancara já no nome. Showalter e os corroteiristas David Marshall Grant e Dan Savage elaboram cenas de humor agridoce, que mitigam até o incômodo com o fim que todo mundo já conhece de antemão, mas que choca assim mesmo. Afinal, não há quem não se comova com um amor que se desfaz, tenha a natureza que tiver.

Depois que seu editor-chefe na “TV Guide” o obriga a abandonar uma pauta sobre “Gilmore Girls” para escrever sobre “Fear Factor”, Michael está disposto a virar a noite no trabalho, até que um colega, vestido num microshort e regata rosa o leva para uma boate onde acontece um concurso de melhor traje esportivo. Mike permanece quase todo o tempo encostado no balcão, mas a certa altura passa a trocar olhares com um sujeito alto, mais alto que ele — pelo menos é o que ele pensa.

Depois de uma situação constrangedora envolvendo Nina, a melhor amiga do rei da noite do outro da pista de dança, eles conversam amenidades e só vão apresentar-se um ao outro ao fim de uma sessão de beijos e de um nada inspirador convite para sexo. O bonitão chama-se Kit, e Mike, claro, percebe que seus nomes são os mesmos de personagens de “A Super Máquina”, a série entre futurista e nonsense exibida pela NBC de 1982 a 1986. Tudo se dá de forma demasiado metódica, como só nas histórias que a vida escreve ela mesma, e fica parecendo que, sim, Mike e Kit são almas gêmeas, preenchendo todos os requisitos para serem felizes para sempre. Mas o sempre é, muitas vezes, uma quimera.

Como fizera em “Os Olhos de Tammy Faye” (2021), Showalter vira a chave da comédia para o drama num só golpe, ao cabo de sequências nas quais mostra o cotidiano de Mike e Kit como um casal, morando sob o mesmo teto até que uma traição de Kit quase põe tudo a perder. Sebastian, o sedutor profissional vivido pelo chef Antoni Porowski, estremece a relação dos dois, mas seus encantos não nada perto de um tumor neuroendócrino que evolui mal e espalha-se pelo corpo de Kit, chegando à base do cérebro. Imagens da sitcom fictícia sobre a infância de Mike, um menino gordo aficionado por “Smurfs”, amaciam o segundo ato, durante o qual o diretor esmiúça o tratamento e a doença de Kit.

É quando Jim Parsons e Ben Aldridge estreitam ainda mais uma parceria azeitada, cada um defendendo pontos de vistas e sentimentos diversos e mesmo antagônicos, quase como se assiste em “Doentes de Amor” (2017), estrelado por Zoe Kazan e Kumail Nanjiani. Enquanto Kit quer que o câncer faça consigo o que deve e o tormento se acabe, Mike está sempre à espera de um milagre, que pode vir embalado por uma terapia experimental na Alemanha.

Quando cai na real, Mike vê que o mais sensato é oferecer a Kit todo conforto possível para alguém no seu estado, e nisso pode contar com Mary e Bob, os sogros interpretados por Sally Field e Bill Irwin. Field oferece um respiro cômico eficiente na pele de uma dona de casa sem grandes ambições que se redescobre como triatleta e parece inclinada a manter os laços de afeto com Mike quando Kit se for. Como fica claro ao longo dos 112 minutos, “Alerta de Spoiler” é um filme sobre destino, escolhas, morte e eternidade, e sobre em que medida o amor entra em cada uma dessas variáveis na jornada de uma pessoa. Ser gay ou hétero é só um detalhe.

Filme: Alerta de Spoiler
Diretor: Michael Showalter
Ano: 2022
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.