Brasil levou o Oscar e Hollywood aprendeu o significado da palavra saudade Divulgação / Sony Pictures

Brasil levou o Oscar e Hollywood aprendeu o significado da palavra saudade

A estatueta de melhor roteiro deveria vir para nosso país. Sabemos já há algum tempo, acompanhando desfechos inusitados de nossos enredos políticos e culturais, que o roteirista do Brasil não brinca em serviço. Mas neste ano ele caprichou de um jeito lúdico. Estivemos no topo do mundo cinematográfico em pleno carnaval. Foi a oportunidade de assistir à premiação até altas horas sem se preocupar em acordar cedo na segunda-feira, mistura de passarela do samba com tapete vermelho, trio elétrico tocando Dodô e Osmar e Walter Salles sendo aplaudido de pé, torcida pela escola favorita e por Fernanda Torres. Ver “Ainda Estou Aqui” trazer o primeiro Oscar ao Brasil enquanto confetes espalhavam-se pelas ruas foi harmonia perfeita. No nosso mundo verde e amarelo, onde a dor e o sacrifício passeiam incólumes durante boa parte do ano, a sorte de festa ao quadrado é marco inédito para celebrarmos sem pudor.

Em Hollywood as chances eram três: melhor filme, melhor filme internacional, melhor atriz. No carnaval, são infinitas… descansar da labuta para quem não gosta de pular, extravasar para quem tem samba no pé, brindar enquanto canta, espantar a apatia, pôr a série em dia, sorrir no ritmo da bateria. A diferença é que, se de um lado o carnaval nos convida a abraçar a fantasia para apaziguar um pouco a vida, do outro, “Ainda Estou Aqui” nos puxou para a realidade de um país e uma família inseridos num Brasil menos colorido que as escolas de samba. Pelas telas do cinema vimos a arte desnudar o mundo real e expor a dureza de dias sombrios. Inversamente, pelas janelas do carnaval, vemos a arte abafar as pelejas, para nos fazer esquecer deste mundo real. Mesmo que distintos, ambos encontraram-se lado a lado, como manifestação da nossa cultura.

Enquanto era dado o anúncio no Oscar, a Sapucaí fervia no batuque. Foi apoteose em dobro. Houve comemoração em diversas cidades com vibração intensa que explode o coração, na maior felicidade. Há 26 anos, desde “Central do Brasil”, não víamos uma comoção tão grande em torno de um filme brasileiro. Quase o mesmo tempo que não vemos a seleção de futebol levantar a taça principal. E aí teve clima de Copa do Mundo, sim.

Fernanda Torres não venceu como melhor atriz, nesses baldes de Gwyneth Paltrow e Mikey Madison que tentam esfriar nossa euforia. Após uma maratona de esperança, o resultado poderia soar como um golpe. Mas a tristeza já estava anistiada pela vitória do filme, no qual o coletivo prepondera. O orgulho que se estabeleceu em reverência a esse feito do cinema nacional estava sacramentado.

Entre abadás e roupas de gala, foi um dia inesquecível. Por mais que todo carnaval tenha seu fim e que o reconhecimento de “Ainda Estou Aqui” não alcance também artistas brilhantes espalhados de norte a sul, por mais que todos os dias não sejam de pompa, troféus e serpentinas, esses respiros de exceção nos nutrem de satisfação. Nas canções de carnaval projetamos a alegria pela qual lutamos nos dias comuns. Na figura da protagonista Eunice, batemos palmas para Dora, Zé Pequeno, Capitão Nascimento, João Grilo, Porfírio Diaz, Macunaíma, Lisbela, Sinhá Vitória e tantos outros que nos provaram que o cinema brasileiro e a vida prestam.