A cinebiografia “Bob Marley: One Love” busca capturar a essência de um ícone cuja influência transcendeu a música para se tornar um símbolo de resistência, espiritualidade e mudança social. No entanto, o filme se equilibra entre a necessidade de ser acessível ao grande público e a limitação imposta por um olhar que prefere a reverência à profundidade. Embora funcione como um tributo competente, a obra não se aventura além do esperado, deixando um rastro de potencial inexplorado.
Kingsley Ben-Adir assume a desafiadora missão de dar vida a Marley e entrega uma atuação dedicada, evidenciando o magnetismo e a energia do cantor. No entanto, a falta de semelhança física torna a imersão parcial, algo acentuado pelo impacto das imagens reais do músico ao final. Lashana Lynch, por outro lado, traz força e emoção em sua interpretação, conferindo densidade a momentos que poderiam se perder na linearidade do roteiro. O elenco de apoio cumpre bem seu papel, mas raramente tem a chance de brilhar além da funcionalidade exigida.
O foco narrativo na criação do álbum “Exodus” serve como um recorte estratégico, evitando a dispersão de uma biografia abrangente. Esse caminho, porém, limita a amplitude do relato, deixando lacunas significativas sobre os últimos anos de Marley e sua relevância política e social no cenário global. A estrutura em flashbacks confere dinamismo ao ritmo da trama, mas também reforça a impressão de um roteiro que segue uma fórmula pré-estabelecida, sem riscos ou reinterpretações ousadas da trajetória do artista.
A trilha sonora, naturalmente, se destaca como um dos elementos mais poderosos da produção. As canções de Marley são o alicerce emocional do filme, transportando o público para a essência de sua mensagem. O score original de Kris Bowers adiciona camadas dramáticas que funcionam como um complemento sólido, embora a integração entre música e narrativa pudesse ser mais orgânica, evitando o efeito de meras inserções ilustrativas.
A decisão de conduzir o filme sob a chancela da família Marley traz benefícios e limitações evidentes. De um lado, há um cuidado evidente em preservar a memória do cantor e exaltar seu legado; de outro, temas complexos são abordados de maneira superficial ou suavizada. Questões como a militância política de Marley, suas contradições pessoais e a real extensão de seu impacto social são mencionadas de forma contida, sem o aprofundamento que poderia elevar a obra além do patamar de homenagem reverente.
“Bob Marley: One Love” entrega o que se propõe: uma celebração da figura do artista, moldada para emocionar e engajar fãs sem desafiar expectativas. Ainda que eficaz dentro desse propósito, o filme deixa a sensação de um retrato incompleto, uma evocação cuidadosa, mas que não desvenda plenamente as camadas mais intrincadas do homem por trás da lenda. Se Marley foi um profeta musical, sua cinebiografia permanece como um eco distante, respeitoso, mas contido, sem a ousadia que poderia transformar essa história em algo verdadeiramente inesquecível.
★★★★★★★★★★