Por décadas a fio, terras áridas entre os Estados Unidos e o México foram palco de uma guerra silenciosa onde a autoridade recaía sobre aqueles que impunham a própria lei. Sem cercas ou limites bem definidos, cada pedaço de deserto testemunhava embates entre homens que se julgavam donos do próprio destino. Essa tensão, sustentada por sangue, pólvora e promessas quebradas, estendeu-se por mais de dois séculos, onde a ideia de justiça era maleável, moldada pelas mãos dos mais fortes. Nesse cenário, bandidos, foras-da-lei e mulheres marginalizadas encontravam meios de coexistir, muitas vezes à sombra de um conflito que decidia o futuro de cada um a golpes de revólver.
James Mangold, cineasta atento às nuances do faroeste, revisita esse universo em “Os Indomáveis”, recriando um dilema sobre honra e sobrevivência em um mundo de moralidades instáveis. Diretor de obras como “Johnny & June” (2005), que rendeu a Reese Witherspoon o Oscar de Melhor Atriz, e “Um Completo Desconhecido” (2024), cinebiografia de Bob Dylan com indicações da Academia para Melhor Filme e Melhor Ator, Mangold transpõe para o cinema o conto “Three-Ten to Yuma” (1953), de Elmore Leonard. Já adaptado por Delmer Daves no clássico “Galante e Sanguinário” (1957), o texto ganha agora nova roupagem, centrando-se na trajetória de um homem combalido pela vida, mas disposto a se agarrar ao que lhe resta.
Dan Evans carrega no corpo e na alma as cicatrizes da Guerra Civil Americana (1861-1865). Amputado e sem grandes perspectivas, tenta sobreviver como criador de gado no Arizona, onde enfrenta adversidades que vão além da natureza hostil. Um vizinho ganancioso ameaça sua propriedade, enquanto bandos de indígenas e a quadrilha de Ben Wade espalham o terror entre os pequenos fazendeiros, obrigados a se esconder para garantir a própria segurança. O destino de Evans cruza o de Wade quando o criminoso é finalmente capturado, abrindo uma chance para que ele recupere um pouco do controle sobre sua vida.
Cabe a Evans integrar o grupo responsável por escoltar Wade até Contention, onde um trem parte às três e dez para Yuma, levando-o a um cárcere praticamente sem retorno. O roteiro de Michael Brandt, Derek Haas e Halsted Welles trabalha essa jornada sob o prisma das angústias de Evans, especialmente no vínculo com seu filho mais velho, William, interpretado por Logan Lerman. Fascinado pelos feitos de Wade, o jovem representa uma possível fragilidade moral, que Mangold desenvolve sem pressa, deixando que os eventos moldem suas convicções ao longo da trama.
Ao alcançar Contention, o inevitável embate psicológico entre prisioneiro e escolta se intensifica em um quarto de hotel, onde Mangold constrói um estudo meticuloso de opostos. A relação entre Evans e Wade revela nuances inesperadas, evidenciando as contradições e similitudes entre os dois. Christian Bale e Russell Crowe entregam performances de grande impacto, assim como Ben Foster, que interpreta Charlie Prince, o braço direito de Wade, cuja devoção ao líder insinua algo mais profundo do que lealdade. A abordagem do diretor ressoa sua predileção por rivalidades masculinas, elemento central também em “Ford vs Ferrari” (2019). Ao final, um simples diálogo de Wade reverbera além da tela, reforçando que o Velho Oeste, de alguma forma, ainda não terminou.
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