Existem filmes que, mesmo repletos de incongruências narrativas, conseguem capturar a atenção do espectador pela energia frenética e pela recusa em levar-se a sério. “Argylle — O Superespião” se encaixa exatamente nesse perfil. Sob a batuta de Matthew Vaughn, diretor que consolidou sua assinatura estilística em “Kingsman: O Serviço Secreto” e “Kick-Ass — Quebrando Tudo”, o longa abraça sem reservas o caos de sua própria construção e entrega uma experiência que desafia qualquer tentativa de análise convencional. O que poderia ser apenas mais uma história genérica de espionagem se transforma em um turbilhão de reviravoltas absurdas e sequências de ação estilizadas, exigindo do público uma entrega irrestrita ao seu universo hiperbólico.
Desde seus primeiros minutos, “Argylle” estabelece um tom que subverte expectativas. A trama, inicialmente estruturada dentro dos clichês do gênero, rápido se desmonta em uma narrativa que joga com a relação entre ficção e realidade. Vaughn conduz essa metalinguagem com um ritmo alucinante, empilhando plot twists em um volume que desafia a capacidade do espectador de processá-los. Esse excesso, embora deliberado, pode gerar a sensação de que muitas das reviravoltas são apenas subterfúgios para mascarar inconsistências do roteiro. Entretanto, a dinâmica incessante impede qualquer tentativa de racionalização prolongada: não há espaço para questionamentos lógicos quando se é constantemente bombardeado por sequências de ação que desafiam qualquer noção de verossimilhança.
O elenco contribui significativamente para que esse caos narrativo funcione. Bryce Dallas Howard, em um papel atípico para sua carreira, exibe um carisma envolvente, enquanto Sam Rockwell imprime um ritmo cômico preciso às cenas, trazendo um magnetismo que sustenta boa parte da trama. Henry Cavill, embora limitado pelo texto, entrega um desempenho que parece brincar com os arquétipos do gênero, e Dua Lipa, mesmo com pouco tempo de tela, adiciona uma presença intrigante à mistura. A dinâmica entre os personagens, ainda que não aprofunde seus arcos individuais, é suficiente para manter o espectador investido na jornada insana proposta pelo filme.
Esteticamente, “Argylle” oscila entre momentos de inspiração visual e deslizes evidentes. Algumas sequências de luta capturam a energia vibrante dos trabalhos anteriores de Vaughn, com coreografias inventivas e uma estilização que remete ao dinamismo de “Kingsman”. No entanto, certos momentos sofrem com efeitos visuais que deixam a desejar, comprometendo o impacto das cenas mais ambiciosas. Curiosamente, um dos elementos mais memoráveis do filme é o gato Alfie, cuja presença, seja real ou gerada digitalmente, confere um toque excênhtrico à história e se torna um símbolo da irreverência narrativa proposta pelo longa.
Se por um lado o ritmo acelerado e a chuva de reviravoltas sustentam o entretenimento, por outro, a duração excessiva do filme acaba prejudicando sua própria dinamização. Em determinados momentos, a insistência em prolongar certas situações sugere que um corte mais preciso poderia beneficiar a fluidez do conjunto. Apesar disso, o longa permanece fiel à sua essência: uma experiência cinematográfica que abraça a implausibilidade como um trunfo e não como um defeito. Em meio a toda a insanidade, o filme ainda flerta com questionamentos sobre memória, identidade e as consequências das escolhas, embora sem aprofundá-los de maneira significativa.
No fim das contas, “Argylle — O Superespião” é um produto da mentalidade do entretenimento desenfreado, feito para aqueles que buscam uma diversão descompromissada e não se incomodam com a total falta de lógica interna. Para espectadores que valorizam coesão narrativa ou subtextos bem trabalhados, o filme será uma experiência frustrante. No entanto, para aqueles dispostos a se entregar à loucura sem reservas, Matthew Vaughn entrega um espetáculo de absurdo que, por mais incoerente que seja, cumpre o que promete: entreter sem pedir permissão.
★★★★★★★★★★