O melhor filme que estreou na Netflix no mês de março, até agora Divulgação / Netflix

O melhor filme que estreou na Netflix no mês de março, até agora

O que faz dos golpistas figuras tão cativantes? Essa parece ser a interrogação que “Emily, a Criminosa” esfrega na cara do espectador, que, entre desconforto e fascínio, se verá compelido a aceitar a tese central do longa de John Patton Ford. Fascínio?! Exatamente. Se há um magnetismo inegável exercido por vigaristas de toda espécie sobre aqueles que jamais cogitariam enriquecer à custa do prejuízo alheio, essa narrativa se encarrega de lançar ainda mais dúvidas sobre esse peculiar encantamento.

Aubrey Plaza, consolidando-se como uma das grandes intérpretes de personagens moralmente ambíguas, revisita a complexidade que já demonstrara em “Best Sellers — A Última Turnê” (2021), de Lina Roessler, e “Meu Eu do Futuro” (2024), de Megan Park. Desta vez, leva sua atuação a um território ainda mais sombrio, dando vida a uma jovem atolada em dívidas que, ao rejeitar qualquer caminho convencional, descobre que pode se reinventar — mas talvez a versão que emerge dessa transformação não seja alguém que ela gostaria de encontrar no espelho.

O tempo dos heróis sacrificiais, dispostos a enfrentar perigos incontáveis pelo bem da coletividade, parece esvair-se. Em contrapartida, a lógica do “cada um por si” cresce em aceitação. Emily Benetto inicia sua trajetória tentando uma vaga no mercado de trabalho formal, mas esbarra num histórico criminal que lhe fecha todas as portas. Acusações de agressão e direção sob efeito de álcool a colocam na lista negra de recrutadores que, educadamente, a dispensam sem grandes cerimônias.

Para piorar, ela carrega sobre os ombros uma dívida de setenta mil dólares em mensalidades de um curso de artes plásticas do qual não tirou proveito. O roteiro de Ford amplifica a tensão ao mostrar a protagonista sobrevivendo como entregadora de refeições, presa a um sistema que não lhe oferece sequer direitos básicos. O pouco que consegue economizar é tragado pelos juros, e quando parece não haver saída, um colega a introduz a um esquema de fraude de cartões, onde receberá duzentos dólares por aparelhos eletrônicos comprados em nome de clientes que não existem.

Emily executa o golpe com perfeição e logo recebe um convite de Youcef, chefe da organização, para subir na hierarquia. Sua nova função envolve trocar eletrônicos de luxo por veículos, e os ganhos se multiplicam. O risco, no entanto, também cresce: Youcef a alerta sobre o tempo crítico que tem para concluir cada transação antes que a fraude seja detectada. Mas nem tudo sai conforme o esperado, e um detalhe aparentemente insignificante no processo atrasa sua operação, colocando-a diretamente no radar de suspeitas.

Com um ritmo que acelera sem freios, o filme mergulha de vez no thriller, e Plaza incorpora com maestria uma figura que oscila entre o ceticismo e a temeridade. Enquanto a nova faceta de Emily ganha vida, Youcef emerge como um espelho de sua trajetória, um sobrevivente moldado por circunstâncias tão difíceis quanto as dela. A química entre Plaza e Theo Rossi sustenta a narrativa, dando peso a um enredo que, sem recorrer a moralismos fáceis, aborda temas como a precarização do trabalho, a delinquência como válvula de escape e os desafios impostos a mulheres que se recusam a abaixar a cabeça num mundo dominado por homens. E Emily Benetto não é do tipo que se dobra diante de ninguém.

Filme: Emily, a Criminosa
Diretor: John Patton Ford
Ano: 2022
Gênero: Crime/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★