Se a resistência inata não faz parte da bagagem de cada um, a necessidade de desenvolvê-la rapidamente se impõe, pois a vida não poupa ninguém de colisões inevitáveis. Resiliência, termo emprestado da física, traduz essa capacidade de absorver impactos sem se estilhaçar. Para aqueles que não a possuem como um escudo natural, a busca por esse recurso torna-se vital.
Emilie, a figura central de “O Caminho Errado”, vive segundo outra máxima: desde que não destrua o próximo, cada um tem o direito de cometer as loucuras que puder suportar. Entre o brilho e a penumbra que a cercam, sua jornada se desenrola ao longo de uma hora e meia, mergulhando na turbulência de suas escolhas e desafios.
Mãe solteira em um ambiente hostil, onde frio e concreto se misturam, Emilie não começa sua trajetória com qualquer traço de heroísmo. Apática e dispersa, a princípio, encontra no inesperado um estímulo para remodelar sua postura. A direção de Hallvar Witzø esculpe nela o retrato de quem é empurrado para além dos próprios limites, obrigando-se a seguir por caminhos que nunca teria imaginado. A transformação ocorre sem sentimentalismos exagerados, mas com a crueza de uma realidade que impõe mudanças, quer ela queira ou não.
No prólogo, o roteiro assinado por Lars Gudmestad, Maria Karlsson e Vilde Klohs retrata Emilie perdida entre pedidos frenéticos de um cliente no restaurante onde trabalha. Logo depois, é dispensada e, sem melhor alternativa, afunda-se na noite com os amigos, flertando casualmente. Um encontro aleatório a leva para uma praça em frente ao bar, onde um parceiro de ocasião sai para comprar preservativos enquanto ela, tomada por necessidades triviais, cruza o caminho de Martin, o policial de plantão, figura que se tornará uma presença determinante.
Witzø explora cada detalhe para enriquecer a apresentação da protagonista, aproveitando o talento de Ada Eide, que equilibra com precisão os matizes de humor e vulnerabilidade de Emilie. O dia seguinte chega sem alívio: sua filha está doente e não pode ir à escola. De volta para casa, um contratempo banal com o encanamento do banheiro precipita uma virada que redefine sua trajetória. O conforto do isolamento na casa do irmão, Gjermund, interpretado por Trond Fausa, não será uma opção disponível.
Em um rompante de descuido ou desafio, ela esvazia uma garrafa de Barolo pertencente à cunhada, o que leva Gjermund a lançar-lhe um ultimato: ou ela aceita a extenuante missão de participar da Birkebeinerrennet, a tradicional maratona de esqui que rememora o resgate do herdeiro real Håkon Håkonsson no século XIII, ou terá de se virar sozinha, sem sua proteção. A decisão é forçada, e o título do filme se manifesta na ação: a protagonista encara um desafio para o qual não está pronta. Na tela, a fotografia de Trond Tønder ressalta a imensidão branca e azulada da neve, pontuada pelas cores vibrantes dos competidores.
A travessia de Emilie se estende por dez horas e 47 minutos, um tempo em que a cada instante a vontade de desistir se insinua. Seu único interlocutor nesse percurso é um hipocondríaco que, embora se declare debilitado por um enfisema, avança com resiliência inesperada. A maratona não é apenas física: é uma provação mental, um teste de persistência, um rito de passagem. O fardo simbólico de três quilos e meio — peso correspondente ao de Håkon — repousa sobre seus ombros, selando sua transformação.
A condução da narrativa permite espaço tanto para a comédia quanto para a dramaticidade, equilibrando a dureza do percurso com a evolução pessoal da protagonista. Eide conduz essa transição com maestria, pavimentando também o caminho para o romance discreto com Martin, interpretado por Deniz Kaya. Para alguém que começou sem saber aonde ia, Emilie termina descobrindo mais do que imaginava.
★★★★★★★★★★