— Oh, jardineira, por que estás tão triste?
— A pipa do vovô não sobe mais.
— Será que ele é?
— Parece que é transviado, mas isso eu não sei se ele é.
— Corta o cabelo dele.
— Ai, meu bem, não faz assim comigo não.
— Se você fosse sincera, veja só que bom que era.
— Taí… Eu fiz tudo pra você gostar de mim.
— Mulata, eu quero o teu amor. Tens um sabor bem do Brasil. Tens a alma cor de anil, mulata, mulatinha, meu amor. A lua, te invejando, faz careta. Porque, mulata, tu não és desse planeta.
— Ei, você aí, me dá um dinheiro aí.
— Mas o que foi que te aconteceu?
— Foi a Camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu.
— Está fazendo um ano. Foi no carnaval que passou. Linda morena, morena que me faz penar, a lua cheia, que tanto brilha, não brilha tanto quanto o teu olhar.
— Mas, que calor…
— As águas vão rolar. Garrafa cheia eu não quero ver sobrar. Eu passo a mão no saca-rolha e bebo até me afogar.
— Você pensa que cachaça é água? Cachaça não é água não. Cachaça vem do alambique e água vem do ribeirão.
— Eu bebo sem compromisso, com meu dinheiro, ninguém tem nada com isso. Levanta. Vai fazer o café. Que o dia já vem raiando e a polícia já está de pé.
— Morre cego e não vê nada.
— Bandeira branca, amor. Eu peço paz. No mundo, ninguém perde por esperar. Ainda dizem por aí que a vida vai melhorar.
— A minha vida foi sempre assim, só chorando as mágoas que não têm fim.
— Vem, jardineira. Vem, meu amor. Não fiques triste que esse mundo é todo teu, tu és muito mais bonita que a Camélia que morreu.
— Eu não sabia mais o que fazer. Troquei o coração cansado de sofrer. Ai, ai, ai, ai, ai, ai… Está chegando a hora…
— Quem parte leva saudades de alguém que vive chorando de dor.
— O dia já vem raiando, meu bem, e eu tenho que ir embora. Essa história de gostar de alguém já é mania que as pessoas têm. Se me ajudasse Nosso Senhor, eu não pensaria mais no amor. Se eu soubesse que, chorando, empato a tua viagem, meus olhos eram dois rios que não te davam passagem.
— Viemos do Egito. E muitas vezes nós tivemos que rezar. Atravessamos o deserto do Saara. O sol estava quente e queimou a nossa cara. Eu não quero a rosa, porque não há rosa que não tenha espinhos. Prefiro a jardineira carinhosa, a flor cheirosa e os seus carinhos.
— Foi bom te ver outra vez. Quanto riso… Oh, quanta alegria… Que Deus te cubra de felicidade.
— Na mesma máscara negra que esconde o teu rosto, eu quero matar a saudade. Vou beijar-te agora. Não me leve a mal. Hoje é carnaval.
*Todo o conteúdo integral deste texto foi construído, exclusivamente, com versos retirados de marchinhas antigas do carnaval